Jorge Amado e Cyro de Mattos
por Ângela Fraga
Primeiramente assinalo a vitoriosa
parceria, já há tantos anos travada entre o nosso homenageado, Cyro de Mattos,
e a Fundação Jorge Amado que, através do seu braço editorial – a editora Casa
de Palavras, já teve o privilégio de publicar 3 títulos de sua autoria e hoje
lança o quarto. Berro de Fogo e Outras Histórias, Canto a Nossa Senhora das
Matas (capa de Calasans Neto),
.Poemas Iberoamericanos e Canto até
Hoje, capa de Juarez Paraiso.
Lembro com saudosismo também a amizade
existente entre Cyro e Myriam Fraga, que eu particularmente tive o privilégio
de compartilhar e também a amizade que tinha com o seu conterrâneo, Jorge Amado
(os 3 confrades na Academia de Letras da Bahia).
Jorge Amado em pronunciamento que
consta nas atas da Academia Brasileira de Letras, certa ocasião disse sobre
Cyro:
“ Cyro de Mattos não se confunde à
maioria de escrevinhadores que, na falta de real experiência humana e de real
experimentação literária, se perdem na imitação uns dos outros, em cacoetes e
fogos de artifícios enganadores. Cyro de Mattos possui uma personalidade
vigorosa e original: a condição humana dos personagens que surgem de seu
conhecimento e emoção nada tem de artificialismo da pequena burguesia a exibir
angústia de psicanalista. Ele pisa chão verdadeiro, toca a carne e o sangue dos
homens".
E foi assim, com este fervor de alma,
que ele construiu um poema. Poema
curiosamente e carinhosamente intitulado: Coisas de Myriam Fraga. Eis o poema:
Coisas de Myriam Fraga
Parir é coisa de mulheres.
Criar a flor dentro ciciada.
O ser no outro ser.
Completo acorde
até as gotas da morte.
Poesia é coisa de mulheres.
Às vezes acorda nesta paixão.
Rigor e lucidez na pele lambida.
Palavra é como brasa ...
queima até o fim...
Ilhas e ventos onde eu navego.
Ó labirinto de mim.
Pois bem.... Cyro lança agora, em comemoração aos
60 anos de dedicação à literatura, o CANTO ATÉ HOJE, que reúne toda a sua obra poética em 800 páginas, em edição impressa bem cuidada e em versão digital,
como mandam os dias de hoje. O livro traz uma incrível capa ilustrada por
Juarez Paraiso, e os versos ( inclusive inéditos) de toda uma trajetória de intensa
atividade literária.
Um sonho do autor que está sendo
realizado através do Prêmio Jorge Portugal das Artes, por meio da Lei Aldir Blanc
e Fundação Cultural da Bahia.
(Aliás, já que falamos antes de amizade, não tenho
como não lembrar aqui do nosso querido Jorge Portugal, grande incentivador da
cultura e da literatura de nossa terra. A ideia de batizar o prêmio com o seu
nome foi muito feliz...)
Jorge Amado sabiamente dizia “A amizade é o sal da
vida...” e eu também sinto assim. Sem os amigos, a criação das redes, um
ajudando o outro, trabalhando em prol do sucesso do outro, nada é possível. Um
evento como este que estamos vivenciando agora não seria possível... basta
correr o olho, como diz o povo, e perceber, que quase todos aqui tem algum
ponto em comum e todos temos a amizade por Cyro!
Voltando
a ele, prestemos atenção: São seis décadas da sua vida
dedicadas à literatura. Curiosamente, o seu primeiro conto, publicado em
1960, em um suplemento literário do Jornal Bahia, que tinha
como editor o amigo e também escritor João Ubaldo Ribeiro,
intitulava-se “A CORRIDA”.
Creio eu que ali se iniciava, literalmente, uma corrida e
de lá pra cá, o escritor nunca parou de contar suas histórias em prosas e versos.
E, se vocês perceberem, é também curioso, o título do livro hoje lançado aqui – CANTO ATÉ HOJE.
Ou seja, ele iniciou uma corrida em 1960 e até hoje canta
e corre...
E sua necessidade vital de escrever o fez não apenas poeta, mas contista,
novelista, romancista, cronista, ensaísta, autor de literatura para crianças e
jovens, jornalista,
advogado e, especialmente, fomentador da arte da palavra.
Impossível
não falar da
importância da sua atuação no cenário cultural, com destaque para uma
característica muito peculiar à sua personalidade que é a perseverança,
especialmente para com o “fazer” literário e os seus desdobramentos.
Vejam bem, o incansável, Cyro de Mattos, do auge dos seus
82 anos, surpreendente e encara os desafios de um mundo que ele mesmo confessa
desconhecer, o chamado mundo virtual, mas não esmurece e avança bravamente com a determinação costumeira que deu à sua trajetória um reconhecimento internacional.
Para finalizar cito aqui um pequeno
trecho do depoimento de Cyro, quando participou em 1997, na Fundação Casa de
Jorge Amado, do projeto “Com a Palavra o escritor”, porque me soou tão atual
para o cenário que estamos a enfrentar:
“A arte literária quando feita com amor e
talento, de maneira humaníssima, reveladora do ser na existência, pode não
salvar o indivíduo do seu conflitivo lado de animal social, não resolver
problemas econômicos e políticos, mas é ato que torna a vida suportável, sensível,
essencial. Viver sem ela seria mesmo impossível”.
·
Ângela Fraga é diretora da Fundação Casa de Jorge Amado, filha da poeta
Myriam Fraga. Escritora e advogada com especialização em administração de
empresas. O texto ora publicado faz
parte de sua fala na live para lançamento do livro Canto até Hoje, de Cyro de
Mattos, obra poética reunida, em 9 de abril deste ano, nas comemorações dos 60
anos de atividades literárias do autor baiano.