Três Registros
Cyro de Mattos
O Gesto
Estava com o lado
esquerdo todo paralisado, a fala comprometida. Alimentava-se por sonda. Talvez
fosse irreversível seu estado. Rezava por ele. “Se tivesse alta do
hospital, provavelmente irá para uma clínica”, pensou.
Requeria cuidados, durante
24 horas por dia.
Foi visitá-lo no
hospital e ficou muito sensibilizada. Não entendeu nada do que ele falou. Ele
pegou sua mão e deu um beijo. Era como se despedia dela. Agradecia todos os
momentos que habitara com ela, envoltos na alegria e na tristeza.
Voltou para casa
sabe como... Lamentou daí a instante quando soube que ele acabara de
falecer. Em lugar da máscara no rosto, a pele enrugada cobrindo o rosto ossudo,
levava uma expressão serena, assinalada pelo gesto que fez quando lhe beijou a
mão. Deixava assim para ela uma saudade formada de afeição e entendimento nos
momentos que viveram juntos.
Durante sessenta
anos de casados. O tempo havia ofertado a eles cinco filhos
e quinze netos.
O
Espetáculo
De
repente o menino se fez homem.
De
repente o homem se fez idoso.
De
repente o idoso se fez velhinho.
As
cortinas fecharam-se.
Não
mais que de repente.
Presente
O
pai disse que ia lhe dar um grande presente.
Estava
fazendo cinco anos no domingo.
-
Pai, é esse o mar?
-
É
-
De quem é, pai?
-
É seu.
O
mar rugia sem parar. A água molhava seus pés pequenos.
Na
poça que se formou ali perto, encheu de água o balde de plástico.
Ficou
cavando com a pá a areia.
O
vento soprava nos cabelos.
Aquele marzão era todo seu.
De contente sorriu.
Um sorriso do tamanho do mar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário