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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

 

           Marido e Mulher

                     Cyro de Mattos

 

Ele era alto, forte, ela tinha a estatura baixa, cintura grossa.  Ela ainda não havia se acostumado com a vida de casada.  Andava desconfiada pelos poucos cômodos da casa. Quando o gato derrubava uma panela, ela tomava um susto medonho. Se soltava um miado linguarudo, ela achava estranho, irritava-se. O marido falava alto quando se dirigia a ela. Não gostava. Chamava a atenção dele, tivesse modos, respeitasse sua mulher, que exigia tratamento digno, se quisesse ter esposa sempre, falasse com ela mais baixo.

Era a primeira vez que havia saído da casa dos pais. Lá é que era bom, tudo era paz e conforto. Não havia briga entre o pai e a mãe. Não existia preocupação, a mãe cuidava de tudo. Arrumava a casa, fazia a comida e ainda cantarolava.

Agora ele deu na refeição matinal para beber o café fazendo um ruído horrível pela boca, sem dois dentes na frente.

Pare com isso – dizia.

- Por quê? – ele perguntava.

- Por que não gosto – respondia de pronto.

- Mais essa! – e vinha a desforra: - Os incomodados que se mudem.

- Não vejo essa hora – respondia com o nariz empinado.

Ele continuou a beber o café com aquele ruido horrível pela boca.

Ela reclamava, “pare com isso, me respeite!”

Ele não se importava.

- Me respeite, sou uma moça de família, não vim para sentar à mesa e ser desrespeitada – ela reclamava.

A hora mais prazerosa para ele era quando começava a beber o café soltando o ruído costumeiro pela boca.

Ela, enervada, ameaçava:

- Você me respeite, não me casei pra engolir esse tipo de afronta.

Ele não ligava.

Até que um dia, apanhou uma faca e correu para cima dele.

- Agora, sujeito desgraçado, vou furar seu bucho, cortar sua garganta e acabar de uma vez com essa pirraça desgraçada.

Ele não titubeou, viu que ela não estava brincando, o rosto avermelhado, a boca tremia de raiva.

Saiu correndo na direção da porta.  Desceu a escada depressa.

Lá embaixo soltou um grito de guerra, que abalou a casa.

- Já que você não me suporta, fique aí sozinha na sua gaiola.

Implorou à mãe que trouxesse ele de volta. De agora em diante estava resolvida a tolerar a situação que lhe era deplorável, feria e doía um bocado.  

Ele voltou, com uma condição, que jamais ela desaprovasse sua conduta na refeição matinal quando fosse beber seu café.  Era a mesma condição que uma sentença ordenava para resolver o impasse e pendia para uma das partes. Proferida pelo juiz de direito, não admitia recurso contra, no caso ele era o autor triunfante. O litígio estava encerrado, definitivamente com o trânsito passado em julgado.  

O sorriso contente, ele retornava como o vencedor da causa. Cheio de gosto bebia seu café, fazendo o ruído na boca. Dava um prazer danado quando como um ralo os lábios sorviam seu gostoso café, era imbatível quando fazia o barulho na boca. Ela agora achava graça.   

 

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