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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

 

               Um Homem Bom

                Cyro de Mattos

Homem alto, forte, voz grossa e mansa. Gostava de usar boné. Era sempre visto na feira do Centro Comercial aos sábados. Cedo recolhia com a pequena cesta donativos para a feira dos pobres. De porta em porta, na semana, pedia ajuda para a construção de mais leitos no albergue.

Dormia pouco, o tempo disponível era dedicado ao próximo. Dor é vida, sofremos porque estamos na vida, li no poeta Jorge de Lima. O homem que usava um boné ensinou que a vida torna-se leve quando habitada com amor. Há milênios que as religiões estão tentando mostrar ao ser humano que só o amor constrói. Braço ao abraço a rota fica mais fácil. Há milênios nós os humanos estamos construindo a história de nossa condição com intolerâncias, violência, egoísmo. Com uma escrita às avessas, desviada da ternura, mais para urubu do que para curió. O que sabe hoje o nosso pobre coração humano de Deus? Do enigma, da dor e do amor?

Essa lição fácil, dar alpiste aos desvalidos, pássaros tristes com as penas doídas, aquele homem de coração solidário ensinou no dia a dia. Por onde andou o seu coração foi para dizer que Deus existe. Podemos senti-lo na flor do coração. Basta amar o outro. A flor do coração sente-se em outros que a ele se juntam. O semeador de esperança no país dos frutos dourados, no chão onde o emblema da vida consiste em perseguir o dinheiro como a chave de todas as coisas.

Homem filho de um território onde no início o ser humano matava e morria por um pedaço de terra fértil, numa fome sem precedentes. Ensinou que a vida tem sentido com excesso de pobreza. Como pode vencer léguas do chão áspero e construir grande abrigo para centenas de pássaros sem voo e canto? Recolhidos aos dias tristes? Acreditava que a morada neste planeta é possível com todas as mãos numa só comunhão.

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Gandhi lembra que a cada dia a natureza produz o suficiente para nossas carências. Se cada um de nós tomasse o que lhe fosse necessário, não haveria pobreza no mundo. Ninguém morreria de fome. O genial Charles Chaplin fala do caminho da vida com beleza e liberdade. Lamenta que tenha ocorrido o desvio da ternura. A cobiça envenenou a alma dos homens, ergueu muralhas de ódio no mundo, fazendo-nos marchar a passos de ganso para a miséria e horror dos morticínios.

Aquele homem, que usava um boné xadrez, gostava de oferecer uma rosa a qualquer um quando percorria a cidade, em seu rito de recolher donativos para os pobres. Em linguagem simples dizia que todos nós somos missionários. Consistia a prática em doar-se ao outro, semear o amor entre os excluídos de uma vida digna, muitos deles sem saber a razão da fome e sede. Ele, Bionor Rebouças, o pai, o filho, o irmão. Um homem como outro qualquer. Um libertador para os enfermos do Albergue Bezerra de Menezes. Um anjo que desceu do céu.

 

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