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quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

 

        O Maravilhoso Trovador Minelvino  

Cyro de Mattos

 

Sertanejo autêntico, nascido no município de Mundo Novo, Bahia, em 29 de novembro de 1924, o trovador Minelvino Francisco Silva primeiro foi garimpeiro em Jacobina onde se criou. Depois passou a vendedor de coisas miúdas na feira da cidade sertaneja: pente, espelho, escova, pasta dental, agulha, carretel de linha, sabonete, livrinho de cordel.

Depois dos 15 anos de idade, lembra que comprou um ABC e teve apenas um mês de aula. Aprendeu a escrever o nome.  Daí em diante, com esforço, sacrifício e persistência, procurou conhecer o mundo através da leitura. Resolveu escrever uma história em versos populares, aos vinte e dois anos de idade.  A primeira motivação que teve para contar uma estória com apelo popular veio da enchente de Miguel Calmon, lugar próximo a Jacobina. Compôs o livrinho e foi um sucesso.  

Tornou-se em pouco tempo poeta afinado com o verso popular, do jeito que o povo gosta. Atento aos acontecidos, de natureza social, política, façanhas e desastres, colocava na estória do cordel maravilhas do imaginário, humor do real, invenções do divino, notícias do amor e da dor, gente e bichos, conselhos e saberes, tudo bem alinhavado na rima certa e espontânea.

Escreveu mais de quinhentos folhetos de cordel. Sua arte ultrapassou as fronteiras regionais, passou a ser estudada em teses defendidas na universidade. Foi publicado em São Paulo pela Hedra, editora de circuito nacional, que em sua coleção Cordel, dirigida pelo professor Josep M. Luyten, Doutor em Comunicação pela USP, já divulgou   alguns dos mais relevantes e autênticos representantes da poesia popular brasileira. Recebeu os estudos da professora doutora Edilene Matos em O imaginário na literatura do cordel (1986), que reconheceu seu valor na condição de porta-voz da comunidade, correspondendo a uma necessidade social, pois é através de seus versos que as notícias do cotidiano alcançam com rapidez uma enorme faixa de leitores.

Em Minelvino – Trovador Apóstolo (2015), alentado volume exemplar de ensaio, calcado em interpretações lúcidas, capacidade de investigação minuciosa, análise convincente sobre a estilística e a temática diversa capturada por Minelvino no imaginário coletivo e na experiência de vida, Jorge de Sousa Araújo ressalta  na obra desse esplêndido trovador uma permanente sintonia com as raízes da cultura popular brasileira, notadamente da poesia popular legitimada  por grandes cultores, além de ser versado em valores cristãos.   

Trovador de senso devocionário, comparecia sempre às romarias de Bom Jesus da Lapa, Nossa Senhora das Candeias e do Padre Cícero, a cada ano. Conhecedor da História Sagrada, autor de inúmeros benditos, que divulgava na procissão como romeiro. Era seu costume dirigir seus temas com a consciência dos valores cristãos, intenções católicas e místicas, daí ser alcunhado como o Trovador Apóstolo. 

Homem bom, simples, querido pelo povo, de voz mansa. Dono do ofício desde os primeiros momentos quando já mostra habilidade e espontaneidade na construção do cordel, cuja história ou relato conectados com o imaginário coletivo prende até o fim, agrada na escrita espontânea, imaginação cativante,

No cordel O Encontro do Poeta com a Natureza conta que deparou com a dama de translúcida beleza, rosto formoso, dentes de marfim, cabelos de ouro e quase perde os sentidos. Acabara de saber de seu lindo nome: NATUREZA. Inspirado com a musa Natureza denuncia sem esforço a riqueza de seu imaginário, a capacidade admirável de inventar heróis e personagens, reinventá-los com espontaneidade, tecer com cenas e gestos atraentes as figuras emblemáticas dos poetas Castro Alves, Zé Pacheco, João Athayde, do mártir Tiradentes, inventor Santos Dumont, descobridor Pedro Alves Cabral e tantos outros personagens ilustres, que foram   desenhados com a mestria do excelente trovador.  

Nos folhetos de disputa, peleja ou desafio entre cantadores muitos vieram para ficar na mente popular do leitor. Destaca-se Os Repentes e Proesas de Bocage, um herói picaresco que lembra o personagem Zé Grilo, reinventado por Ariano Suassuna na comédia nordestina. Bocage ganhou do rei todos os desafios que lhe foram impostos. Apareceu no palácio vestido numa tarrafa, montado em uma porca, às seis horas, com o povo sorrindo com a sua aparição estranha, que driblava a morte prometida pelo rei se não vencesse o desafio.

Quantidade e qualidade são inseparáveis na produção maravilhosa do cordelista Minelvino. Radicado em Itabuna durante grande parte de sua vida, criou família na cidade importante para a formação e desenvolvimento da civilização cacaueira baiana. Não se esqueceu de relatar as agruras da cidade e da região em seus momentos de crise. A Greve de Itabuna e A Vassoura de Bruxa no Sul da Bahia atestam a solidariedade de um cordelista autêntico no momento crítico atravessado por determinado contexto.            

A vida sabe que ficou mais pobre com a morte do cordelista. Ele sempre rezava o terço. Rogava a seus santos protetores, Jesus e Virgem Maria, que “queria morrer junto a eles quando chegar este dia”.  

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