Páginas

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Crônica do Circo

                                (Cyro de Mattos)



Desde que conheceu o circo pela primeira vez,  ficou  encantada com os números divertidos e arrojados. Além de  Margarida,  uma chimpanzé dócil, inteligente  e brincalhona, as atrações que mais lhe chamaram a atenção foram os trapezistas, o globo da morte, palhaços (que as crianças adoraram) e os dois times de cão Paulistinha, Corintians e Palmeiras. À noite,  antes de pegar no sono, conferiu na imaginação todas as atrações e prometeu que um dia ia ser trapezista.
O circo ficou na cidade seis semanas. A casa sempre cheia. Quando o circo foi embora, ela fugiu com um dos trapezistas. Tinha pouco mais de 15 anos de idade, ele aparentava 25. Estava comprando pipoca com o irmão mais velho na entrada do circo, antes de retornar para a casa.  O trapezista aproximou-se do carro de pipoca e perguntou se ela e o irmão tinham gostado do circo. Ficou confusa quando viu o trapezista. Gaguejou, dizendo que tinha gostado muito. O que mais lhe impressionou foi o número dos trapezistas. Olhou com interesse para ele, aquele rapaz louro, olhos azuis e rosto sanguíneo.  Eles se apaixonaram ali mesmo quando seus olhos se cruzaram. 
A mãe dela desmaiou quando encontrou a cama da filha vazia no mesmo dia em que o circo foi embora.  O trapezista casou com ela, como havia prometido. De início, começou a trabalhar no circo como contorcionista. Só depois de um ano, três meses treinando com  exaustão, todos os dias, é que ela passou para o trapézio. Com o tempo tornou-se uma trapezista sensacional, que arrancava  suspiros da platéia. Quando terminava seu número com o marido e o cunhado, o circo quase vinha abaixo com os assovios, gritos e aplausos  demorados.
         Depois de casada passou a ser chamada de Baiana  pelo pessoal do circo. De mês a mês,   ficava sabendo como era a vida no circo. Tinha o lado bom e o ruim. Com certeza, o lado bom era bem melhor do que o ruim. Para o artista,  o bom era a expectativa da estreia, o povo aplaudindo. Ver uma criança aplaudindo não tinha preço.
        O lado ruim era viver na estrada sempre como nômade, sem ter tempo de criar vínculos de amizade. Ainda assim reconhecia que deixava muita gente saudosa por onde passava com o marido e os outros artistas. Outro ponto positivo daquela vida nômade era conhecer o Brasil com suas diferenças  e encantos. Em algumas regiões o frio era intenso, em outras o sol brilhava o ano inteiro. Havia gente de todos os tipos.     
       Outro fator negativo, nessa vida nômade, era a educação das crianças. “Toda criança tem como base a escola. Hoje tem uma lei que ampara a criança de circo para matrícula em colégios do ensino público”, disse para o repórter que a estava entrevistando. “Mas, infelizmente, existe deficiência no ensino público, por isso nós procuramos matricular em colégios particulares.  Há uma dificuldade muito grande para o filho de artista circense se adaptar ao ritmo do colégio”, observou.   
         Ela tentou viver na cidade, teve dificuldade no relacionamento com outras pessoas que não fossem do ambiente circense. Também não conseguiu viver  na cidade porque se acostumou a morar em trailer. A rotina na cidade era  bem diferente. O trailer tinha  tudo que uma casa normal possui, geladeira, tevê, fogão, mas  num espaço super-reduzido.
            Sentira  a dificuldade  em alfabetizar o filho.  Quem  a ajudou a solucionar esse problema da alfabetização do filho foi sua mãe,  que morava no interior de São Paulo. O filho voltaria depois  para o circo,  para ser artista como ela tinha sido, se assim ele quisesse.   Além de artista, esforçava-se para manter a ordem na agenda de dona casa. Tinha que  se virar. Cuidar do marido, do filho quando vinha passar as férias com os pais, do almoço e estar pronta na hora do espetáculo.
         - Tudo aqui é muito compacto, mas não troco o circo  pela cidade de jeito nenhum, pois não me acostumaria – ela disse ao repórter no final da entrevista. 
                                     
                                             




Nenhum comentário:

Postar um comentário