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domingo, 29 de junho de 2014

Futebol

Febre. Religião. A nossa maior paixão popular. Que bonito é a torcida no estádio superlotado. As bandeiras desfraldadas. Apoteose de não sei quantas gargantas que explodem no ar um só grito de gol. Delira a torcida, ven­do a rede balançar, que felicidade!
Em 1958, a nossa maior conquista. Fomos campe­ões mundiais nos gramados da Suécia. Com um rei que surgia. Um garoto chamado Pelé. Magia na intimidade com a bola. Fenômeno que pensa pelos pés. Emoção mai­or em todos os estádios. Atleta do século, com as estrelas descendo do céu, todas elas iluminadas vindo beijar-lhe os pés.
Surge também Garrincha, o Mané das pernas tor­tas, alegria do povo. Na escrita certa os dribles desconcertantes. Garrincha e mais dez canarinhos bisando o feito de cam­peões mundiais nos estádios do Chile, em 1962. A marchinha dizendo que com o brasileiro não há quem possa, é bom no samba, é bom na bola, a taça do mundo mais uma vez era nossa.
No México, em 1970, todo o Brasil voltava a vibrar com o olho na telinha da televisão. Olho no lance. Radinho de pilha colado no ouvido atento. Goleada histórica na Itália, quatro a um, na partida final. A marchinha agora dizia que somos uma corrente pra frente. Todos juntos vamos saudar a seleção tricampeã mundial. Nesse cordão do amor, nesse delírio geral, nessa emoção dada de graça por todo o País, que tem um só coração.
Em 1994, após vinte e quatro anos de rações duras, o grito de tetracampeão de futebol ressoava em gramados norte-americanos e pelos quatro cantos do Brasil. "El! El! El! Vai que é sua, Tafarel!" Zero a zero no tempo normal de jogo e na prorrogação, vinha a certeza da guerra vencida com a cobrança de penalidades. A Itália protagonizava o lado dos rivais derrotados mais uma vez, perdendo três penalidades. Um dos pênaltis foi defendido pelo herói Tafarel.
Mas tivemos derrotas que até hoje ferem a memó­ria do torcedor tetracampeão. A primeira delas, a mais triste, quando jogávamos pelo empate e ganhávamos o jogo no primeiro tempo por um a zero. Perdemos por dois a um. Inauguração do Maracanã naquele campeonato mundial realizado em 1950, vencido pelo Uruguai. O país do fute­bol todo coberto de silêncio. Naquela tarde trágica, dei­xam o Maracanã os torcedores como uma procissão de rostos cabisbaixos, por que não dizer de mortos, sem sa­ber para onde ir.
A segunda pior derrota acontece na Copa do Mun­do da Espanha, em 1982. Uma seleção feita de craques, como Zico, Sócrates, Junior, Eder e Leandro. Tudo dava errado. As bruxas estavam soltas outra vez. Não passa­mos pelas semifinais. Outra vez jogávamos pelo empate. Final de jogo: Itália 3 e Brasil 2. A dose de amargura que se aloja no peito do torcedor brasileiro retornaria na Copa do Mundo de 1986, de novo realizada no México. O Bra­sil não passa outra vez pelas semifinais. Eliminado nos pênaltis pela França. No último deles a bola bateu na tra­ve, em seguida nas costas do goleiro Carlos e foi para o fundo das redes. Era demais para qualquer coração brasi­leiro suportar.
Minha paixão pelo futebol vem desde menino, jo­gando peladas nos campinhos dos terrenos baldios da ci­dade natal. Havia o "Campinho do Fole" no outro lado do rio. Ali eram jogados aos domingos as partidas mais im­portantes. O time de garotos da rua de cima com o da rua de baixo. No vaivém do jogo não faltavam empurrões, bate-bocas, xingamentos e algumas brigas fortes. Termi­nado o jogo, o banho na correnteza de águas límpidas se­renava os ânimos. Uma amizade feita de relações natu­rais logo se refazia com mergulhos e saltos do barranco íngreme.
O pai levava o menino para ver a seleção amadora de sua cidade jogar no Campo da Desportiva. Cercado com folhas de zinco no início, depois murado, o Campo da Desportiva era uma festa aos domingos. Lá, naquele campo de grama mal tratada, o menino viu o drible de Puruca como o maior de sua vida. O gol de Juca. A defe­sa de Asclepíades. A matada de Santinho. A catimba de Tombinha. O nó de Carrapeta. A investida do ponta Fernando Riela como um raio fulminante na defesa adversária. O engraçado torcedor Rodrigo Bocão. E o cracão de bola Léo Briglia, sem igual. Viu o menino a Seleção Amadora de sua cidade como o maior time de sua vida. Ah, os roletes da Desportiva como o melhor doce de sua vida. E sentiu esse tiro na memória, que seria, inevitavelmente, o gol mais triste de sua vida.

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