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terça-feira, 7 de julho de 2015



REINO DE PALAVRAS

Por Florisvaldo Mattos

Sem ser imodesto, celebro no dia de hoje uma data para mim especial.Completam-se, neste 7 de julho, justamente 50 anos (uma vida!) do lançamento de meu primeiro livro, REVERDOR (Edições Macunaíma, formatação gráfica e ilustrações de Calasans Neto). Lembro da tarde noite, na hoje extinta Livraria Civilização Brasileira da Rua Chile, com a presença de uma qualificada plateia, pois lá estava a gente alistada nas hostes das letras e artes modernas, ainda, por incrível que pareça, enfrentando resistências nas fortalezas conservadoras. Lembro também que o "fato" mereceu chamada de primeira página, com foto, do hoje também extinto "Jornal da Bahia" e que mereceu destaque de Jorge Amado, em sessão da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. Mais lembranças: por causa desse livro, cujos poemas compunham um painel de experiências rurais, ganhei na época o apelido de "´poeta agrário"; ia publicar o livro com o título de "Reverdor - A sombra do reino", quando Glauber Rocha me aconselhou a só manter a primeira palavra, por sua carga metafórica e por ser inventiva, pois não existia no dicionário. Então, obedeci ao sempre considerado líder da chamada "Geração Macunaíma". Ufa!
Abaixo, transcrevo o poema de abertura do livro, que funciona como introdução aos "Cinco Monólogos de Garcia D´Ávila" (aquele do Castelo da Torre...) e a ilustração que mereceu do gravador Calasans Neto.
Em tempo: o livro se inclui no conjunto de "Poesia Reunida e Inéditos" (São Paulo: Escrituras Editora, 2011).
A DOMAÇÃO DAS PEDRAS
(Onde se alude a varões portugueses que aqui vieram ter poderes e honrarias, – entre eles Garcia D´Ávila, conquistador primeiro, suas lutas pela dominação da terra, feudo tropical onde reinou e reina).

I
Os homens de Reverdor
os cavaleiros verdes
por aqui passaram ágeis.
Negros cavalos
moviam cúpulas ágeis.
Céu de esporas cintila. Chão
rápido/coturno/elmo suspenso.
Pulverizam aldeias e costumes
metais furiosos.
Verdes passaram armaduras roídas
(cavaleiros seguiam com olhos roídos)
sobre terra/sobre águas instantâneas/
súbito ecoaram buzinas de espuma.
O sangue soava/ as pedras soavam/
um anjo inclinou-se rodeado de lâminas.
Entre colunas de primitivo sono
Garcia D´Ávila alongou garras lunares:
lavrava um território de salmoura
onde corriam escamosos ginetes
dentadura feudal sofregamente
tritura caracóis aurinevados.
De gelo sob céu fixo vaso que veste
arquitetura cega das semanas
os dias passam roendo cavaleiros.
Rútilo (consumido em chamas e distância)
rei olha de cima campo/mar/espelho
onde gado mugeme inexistente.
II
Há poentes: aves renascentes
armaduras cintilam aço e escamas.
Outono muge de elmos reluzente.
Abril (diurno algoz) que somos nós?
Sob desfraldados relhos dorsos tesos.
Metais fuzilam. Descem das narinas
herança e gelo de armas latifúndio;
raízes da memória, rastros velhos,
presença de chão rútilo/meus sóis
ultramarinos. Aéreos potros puxam
meus avós: galope surdo anterior.
REINO
III
Cavaleiros de retorno sofrem
súbita lança dos meses contra
limo das equipagens. São
cavaleiros em fogo rodeados
de fúria, ancoram sombra e cúpulas. Não
dormem, nem olho nem aparições.
Nem elmos cruzados. Ó nuvem
de remota poeira, já meus deuses
singram de rio leito calcário.
IV
Há ferrugem. Goteja dos escudos
hora incêndio das três. Garcia D´Ávila
madruga em caracóis, amadurece
BOÍNVIO transmudado agricultor
refúgio de evidências perseguidas.
Um pouco vem do mal. Do outro lado
perde-se acontecido sem mudanças,
gira escasso pensar embrutecido:
“Tantas pedras arrasto, tanto sono”.
Feudo, casa plural do Ávila.
FEUDO.

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