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quinta-feira, 24 de março de 2016

       



       Poemas da Paixão

                 Cyro de Mattos



Uma Prece

Bomba a alvejar manso rebanho,
Fera branca que se achou Deus,
Cidade grande em galope amarelo,
Faces levando sede e fome,
Droga a matar a maravilha,
Sangue inocente de réu negro,
Lágrima extirpada de índio,
Mãos de metralha do menino,
Pai que apagou a luz do filho,
Mãe que não quis sentir a rosa,
Irmão que fugiu do outro irmão,
Rei que esqueceu a oração,
Veneno na água, chão e céu.
Cura-me, ó Deus de todos os perdões.


Este Cristo

 É maior que o mundo
Este andor feito na dor
Dos grandes rumores.
É maior que o mundo
Esta luz feita na cruz
Dos grandes tremores.
É maior que o mundo
Este amor feito no ardor
Dos grandes clamores.
Ó peso da terra,
Cuspe, chicotada, crivo.
E das chagas flores.


      Canto de Amor

E todo este peso
Terrestre perfurou
Na flor da comunhão,
De braços abertos
Clamas como cacto.
E dignos não somos
De olhar este rosto
Que pende no amor
Do sangue derramado.
E solitários caminhos
Da ternura os desviados
Na voz de tudo que é perdão.
O canto de amor prossegue
Pelos que têm fome e sede
E carregam o dilema do pacto.

  
Santa Cruz

Todo o peso da terra
Com ofensa e lenho
Aqui deste desterro.

      Pedras cor de vinho,
      Setas de veneno
      Dos que ladram.

      Lábios de sede,
      Botão que se abre
      Na flor do perdão.

      Até hoje a oferta.
      A ternura como meta
      Jogada na sarjeta.

    
         Sexta-Feira Maior

O sol morre.
Turva onda
O mundo em aflição
Molha-me de roxo.
Nada valho.
Nada sou de fato.
Prefiro Barrabás,
Crucifico o amor,
Sem dó e lágrima
Até o último gemido.



             Soneto da Paixão

Ao pé do Cristo todas as infâmias,
Ao pé do Cristo todas as insônias,
Ao pé do Cristo todas as intrigas,
Ao pé do Cristo todas as refregas.

Ao pé do Cristo todos os sedentos,
Ao pé do Cristo todos os famintos,
Ao pé do Cristo todos os horrores,
Ao pé do Cristo todos os clamores.

Ao pé do Cristo todos os insultos,
Ao pé do Cristo todos os corruptos,
Ao pé do Cristo todos os ladrões,

Ao pé do Cristo todas as prisões.
Nessa onda que nos leva como cães,
Cura-me, ó Deus de todas as paixões.


                
            Procissão do Senhor Morto



Tudo é roxo e ofensa e perdão.
A tristeza está nos ares,
já anda pelas veredas
e no perfume dos caminhos.
No ocaso da saudade ao longe,
na flor do cacau que é espinho.
E chega à igreja a procissão.
Tudo é clamor e cruz e paixão
porque uma coroa sensitiva
instalou-se em Itabuna
com fadiga e sede e fome
e escorre suas dores
pelas pedras cor de vinho,
mas no sábado tudo é verde
e claro sem o roxo e o espinho.
Os sinos repicam na cidade
e um dia novo está nas galhas,
no coro de milhões de passarinhos.














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