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quarta-feira, 20 de julho de 2016




Enquanto a Noite Durava


  
               Cyro de Mattos



   Deitava-me na cama com o rosto para o céu, antes de pegar no sono. Como se fosse um astronauta sonhando acordado,  percorria   o céu cintilante de estrelas .pela janela do quarto. Deus era muito poderoso, pensava. O fazendeiro mais rico aqui na terra podia  ser o dono de um sem-fim de fazendas,  mas não possuía uma estrela sequer das que Deus pregava no Seu telhado para brilhar na imensidão da noite. A professora informou na aula de geografia que era impossível saber o tamanho exato de cada estrela, todas elas estavam muito longe da gente. Havia cada uma que a terra comparada não passava de uma bola pequena. Existiam bilhões de estrelas espalhadas no sem-fim do céu, mas ninguém sabia a quantidade delas.
Uma brisa ligeira visitava meu rosto. Levantava da cama e ia  até a janela. Dali avistava  o alfaiate Mafrisio trabalhando na sua tenda, que ficava na subida da travessa. Era costume trabalhar até alta hora da noite na tenda iluminada à luz de lampião.  Cortava com a tesoura o pano que ele havia riscado em cima do balcão. De lá vinham vozes no rádio. Escutava  o locutor dizer que os soldados brasileiros da Segunda Guerra Mundial tinham desfilado mais uma vez na parada de Sete de Setembro, receberam muitos aplausos  quando passaram na avenida.
No quintal do vizinho, o vento  tocava música com seus dedos invisíveis nas palhas do coqueiro. As estrelas, todas elas iluminadas, desciam do céu para piscar em meus olhos,  tontos  de sono.  Uma noite tive um sonho  que eu era um astronauta  Pela janelinha da nave, uma que tinha a cor de leite,  agora  contava as estrelas espalhadas na imensidão do céu como rosários de luzes.
          Na viagem que fazia pelo céu em minha nave cor de leite, não encontrei habitantes na Lua nem em outros astros. Mas fiquei de voltar para continuar a viagem pelo espaço na minha  nave “O Lobo Branco”, até encontrar extraterrestres. Talvez tivesse mais sorte na próxima viagem e encontrasse habitantes   nos planetas Netuno, Plutão ou Saturno. Ou numa estrela que encontrei com  o brilho cor de ouro, onde não cheguei a pousar com a minha nave porque já era muito tarde da noite e tinha que voltar à terra, antes que  o dia amanhecesse.. Batizei aquela estrela dourada  com o nome de Solano.
             Contei aos amigos  o sonho que tive numa noite de verão. Argumentei que um dia o homem ia viajar  numa nave e  conheceria outros planetas. Observei, do alto de meu saber sobre coisas do céu, que provavelmente o homem  ia encontrar vida noutro planeta.  Se não fosse como a nossa, outro tipo de vida, com outra gente diferente de nós. Deus não ia criar tantas estrelas, planetas,  astros e  colocar a vida apenas aqui na terra. Isso era um mistério muito grande, todo mundo achava,  mas um dia o homem ia desvendá-lo. 
              Outra noite  sonhei  que era pássaro, voava acima das casas, dava várias voltas por cima da cidade. Parava de vez em quando, pousava na torre da igreja e  ficava olhando lá de cima a cidade  embaixo toda  iluminada. Imaginava então que as pessoas estavam nas suas camas ferradas no sono, cada casa onde moravam parecia agora  um bicho pesado encalhado na noite..
Enquanto a noite durava costumava acordar com o canto dos galos ou quando o guarda apitava na ronda noturna. O canto de cada galo vibrava no silêncio da noite, repetia-se de quintal em quintal. Escutava o guarda apitar na esquina e o outro responder na rua do comércio. Eram apitos demorados e, como no canto dos galos, feriam o silêncio da noite. Reconciliava-me com o sono, sabendo que cada apito que o guarda dava era um aviso para que o ladrão não andasse ali perto, podia ser preso imediatamente, caso  fosse flagrado roubando uma casa ou loja.
               O guarda Hilário fazia a ronda  noturna lá na rua. Era um preto gordo, que não dava vida boa a  ladrão. Vestia uma farda cáqui, o cinturão grosso de couro em volta  do blusão com dois bolsos grandes. Calçava coturnos pretos, que andavam sempre limpos. Quando pegava algum ladrão, no outro dia saía com ele desfilando pela Rua do Quartel Velho até chegar à cadeia num outeiro. O ladrão tinha a cabeça raspada, andava com as mãos segurando as calças. Um grupo de meninos atrás acompanhava o desfile do guarda e o ladrão pela rua onde gente curiosa aparecia no batente das portas e nas janelas.
           Quando acontecia que uma casa fosse roubada, o soldado Hilário não demorava em prender o ladrão. Em pouco tempo ele se tornou  um herói do meu coração e de outros meninos.
             


           

















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