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sexta-feira, 31 de março de 2017

                                    

                                  Passeio de Bonde

                                     Cyro de Mattos

               O bonde não era apenas um meio de transporte para ele, mostrava-se como uma diversão, curtição que fascinava no passeio. O uniforme cáqui do motorneiro, que usava chapéu e  gravata borboleta,  o barulho do condutor ao recolher o dinheiro das passagens, batendo as moedas umas contra as outras na mão, a figura marcante do vendedor de balas e bombons, com sua cesta de vime, a sensação deliciosa de viajar pendurado no estribo. Havia o desafio de subir e descer do bonde ainda em movimento. Num domingo azul de verão,  chamou-lhe a atenção, entre os passageiros,  dois homens bigodudos no bonde, de fraque, gravata borboleta  e chapéu da última moda. 
      No passeio de bonde, tinha a sensação de que a cidade andava nos trilhos, avistando-se o mar por algum recorte ao largo. Sentado no banco de madeira, na medida em que bonde rolava pelos trilhos  o olhar curioso dirigia-se para casarões, sobrados, igrejas e jardins. Na orla, o mar espumejava com as suas jubas brancas perto da praia,  vidrilhando nos dias de verão. O mar era como uma piscina enorme na Praia do Porto da Barra.
     O melhor lugar para contemplar o cenário da Baía de Todos os Santos, que a natureza ofertava de graça no cenário azulado,  era de uma das balaustradas laterais ligadas à plataforma do Elevador Lacerda,  dando  acesso à Praça Tomé de Sousa, também conhecida como Municipal.    
      Sentava na cadeira de uma das mesas postas no passeio, como extensão da lanchonete A Cubana, na saída do elevador. Depois de tomar o copo de vitamina de abacate acompanhado dos deliciosos Bolinhos da Cubana,  da balaustrada avistava  o Forte de São Marcelo lá embaixo na baía, encravado nas águas mansas do mar. Lanchas na Marina, embaladas como berços pelo vento,  barcos ancorados na tarde preguiçosa do mar, o porto no vaivém do embarque e desembarque de gente, o cais  com seus guindastes gigantescos,  navios de carga como casas de ferro,  vindos de mares longínquos.
         Não se cansava de olhar  a paisagem bonita, na península de Itapagipe, longe, a colina sagrada do Bonfim no alto,  onde ficava a igreja do padroeiro da cidade. A igreja ia ficando a cada ano pequena para  o grande número de fiéis vindos dos lugares mais distantes.  Fascinados os olhos,  querendo pegar a paisagem com o seu forte brilho,  contornos e  desenhos, iluminada em cima com   um céu azul, embaixo com um  mar azul, só existentes na Bahia.  Insinuada nas linhas do horizonte, lá para os longes das ilhas de Itaparica e Mar Grande.  

            Depois de colorir os olhos com a paisagem esplêndida, retornava para a sua casa, pendurado no estribo do bonde.

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