Nada Era Melhor
Cyro de Mattos
Já vai longe o tempo da
minha infância na cidade onde nasci. A cidade tinha poucas ruas calçadas, três
bairros, o jardim, o cinema, o ginásio e a igrejinha. Seu rio, chamado de
Cachoeira, dividia a cidade em duas partes. E uma gente ribeirinha tirava dele o
sustento de suas famílias: lavadeiras, tiradores de areia, pescadores e
aguadeiros.
Lá naquela cidade
distante joguei bola com a turma de queridos amigos nos campinhos improvisados
dos terrenos baldios. Roubei fruta
madura nos quintais das casas perto da beira do rio. Brinquei de mocinho e bandido. Fiz a primeira
comunhão e tive a primeira namorada.
Lá também criei
vaga-lumes para vê-los à noite piscando no quarto. Nadei como um peixe ágil nos
poços bem claros do rio que tinha as águas doces. Andei como um bicho solto,
sem ter medo de nada, nos caminhos do mato. Feito pássaro dava cada voo com o
vento mais alto. Quando cresci, soube que a infância tem um sabor de fruta doce
que acaba quando chega o tempo dos homens.
Não querendo que aqueles dias
vividos com aventuras, descobertas e sustos esplêndidos se perdessem no tempo
que se foi, sem que eu percebesse de tão rápido, ficando trancados pelos homens
dentro de mim, resolvi então escrever umas breves memórias com pedaços da
infância. Nesses episódios que agora procuro contar, tecidos com os fios
eternos do sonho, tento compartilhar com você um pouco da aventura da vida.
Percorro caminhos e procuro encontrar o menino na fumaça do tempo, mas que
ainda pulsa no meu coração porque não se cansou de ser menino.
Em Nada Era Melhor (Editus,
2020), cada episódio pode ser concebido como uma história, possui autonomia na
sua estrutura, foi reinventado com os elementos tradicionais de princípio, meio e fim. Como cada um deles é
protagonizado por um menino em sua pré-adolescência, tendo como espaço a
infância e o lugar onde acontece é a uma cidade do interior baiano, no início
da segunda metade do século XX, com personagens secundárias que participam
algumas vezes de muitos deles, não se pode deixar de considerar que Nada Era
Melhor é também um romance, uma história comprida representativa da vida,
ou seja, um romance de iniciação.
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