Como É Ser Escritor?
Cyro de Mattos
É profissão ou apenas uma
atividade dos que exercem a arte literária?
Thomas Mann afirma que não é profissão alguma, e, sim, uma maldição.
Começa terrivelmente, muito cedo. Quis dizer com isso que o autor carrega todo
o peso terrestre dentro dele quando faz
a leitura do mundo com a palavra tomada de empréstimo à ilusão, impelido pela força do destino. De onde vêm, para onde vão nessas antenas da
raça tantos sentimentos e tendenciosas
explicações? Há quem afirme que a literatura ajuda a viver o sofrimento que
todos nós temos na vida. Drummond acha que ela ajuda esse sofrimento ser um
jogo divertido.
Não é exagero achar que a literatura é uma profissão. É condição, ato ou
efeito de professar, perseguir, proferir crenças e valores. Declarar
publicamente ao outro o que somos no mundo. Nela confessamos nossa opinião
sobre seres e coisas porque assim é nosso modo de ser-estar no mundo. Profissão que não dá rendimentos para
sobreviver, não devia ser assim, dado que é forma de conhecimento da vida,
fundamental como o amanhecer. Exige esforço e labor. Sacrifício, doação. Não se
vive de literatura, mas para a literatura, dentro dessa condição em que o autor
procura liberar desejos e medos. Essa é minha crença, tem sido minha paixão. A
literatura vem demonstrando que gosta de mim, nesse meu jeito de respirar no
trânsito da vida. De fazer o bem, dizer
com a palavra que a vida é falha, não basta em razão da sua natureza, que em
essência é da própria incompletude.
Ela organiza meus conflitos, oferta-me sonhos, equilibra-me na loucura do
mundo. Nesse espaço vital é que me
encontro como se fosse a flor feita de
um homem real. Um pobre homem, contraditório, finito, provisório nesse intervalo
entre o primeiro vagido e o último suspiro.
Sem ela, não sou um ente que pensa e tem emoção. Sou, como diz o poeta
Pessoa, cadáver ambulante que procria. Com ela tenho motivações de fazer
leituras do mundo com as vestes da vida e da morte. Ela põe o tempo dos humanos
com possibilidade de aprofundar a vida, dos dias retirar personagens que se
queimam com suas dúvidas, choram às escondidas com a sua incandescente
ternura.
Sem essa alquimia do verbo que se faz revelação, não me torno sequer
menino, não aceno para as coisas da vida que se foi, como aconteço nesses
versos do poema “A Roda do Tempo”:
Criei vaga-lumes
Para vê-los à noite
Brilhando no quarto.
Nadei como um peixe ágil
Nas águas mais claras
Do Rio de Água Doce.
Como um pássaro
Tive cada voo
Com o vento mais alto.
Andei como bicho solto
Sem ter medo de nada
Pelas ruas do mato.
Mas a infância tem o sabor
De uma fruta que termina
Na idade dos homens.
Costumo dizer que
o escritor é a única criatura neste planeta que gesta e pare duas vezes o mesmo
filho. Gesta com suas motivações e pare quando o seu livro está concluído.
Gesta pela segunda vez na fase de produção editorial até que o livro seja
publicado. Não é fácil caminhar nessa
estrada das letras, a essa altura, comprida. Há quem diga que sou um homem
centralizador, só penso em mim quando tento encontrar-me
por entre os rumores de minhas navegações agudas. Quem assim pensa, que tenho
fome de fama, não sabe de solidões solidárias
na madrugada de um homem só.
Tenho pena da esposa, a mulher que me ama como sou. Ela sabe o que
digo, durante mais de cinquenta anos em
que juntos vivemos, provando alegrias e dores com a arte da palavra
escrita.
Jorge
Luís Borges declara que escreve para viver.
Gabriel Garcia Márquez afirma que morre se não escrever, mas também
morre se escrever. Bem ou mal, escrevo
porque assim devia ser. É minha
maneira de ser um homem útil ao outro no
mundo. Se tudo é ilusão, sonhar é sabê-lo, de novo escuto dizer
isso Fernando Pessoa. Fica claro que
escrevo não com sede de imortalidade. Sei também do meu tamanho e do lugar onde
me ajusto entre os outros. No fundo de
tudo, bom não esquecer, nós somos iguais, entre nascer, viver e morrer. Cada um
está aqui para contar a sua história. Como o vento, não ficamos, para isso
fomos feitos, passamos, passamos.
Nada se pode fazer. Ai de mim, ai de mim. Como
disse certa vez nos dois últimos versos de um soneto:
Da cabeceira para a foz
Tantas explicações
Para saber enfim
Que nada sei de mim.