Poetas
Revisitam o Poeta Pessoa*
Cyro de
Mattos
Luís de Camões cantou um pequeno
Portugal de marinheiros com seus feitos maravilhosos por mares nunca dantes
navegados. É considerado o poeta mais abrangente e expressivo da lusitanidade,
voz poderosa do humanismo renascentista que transformou a obra-prima Os Lusíadas (2003, no Brasil) em
monumento de imaginação e arte nas letras mundiais. Fernando Pessoa é um dos
fundadores da modernidade literária portuguesa, criador de uma obra poética de
dimensões universais como um caso genial, que dá vida a personagens de
qualidades poéticas de alto nível. Cada uma delas com a sua biografia própria,
ideias próprias, maneira própria de fazer poesia, a simular pensamento e
sentimento diante de tudo, ligar o eu ao externo no enigma do existir.
Nascido em Lisboa a 13 de junho de 1888 e
falecido a 30 de novembro de 1935, com uma obra poética que superou como nunca
se tinha visto em tempos modernos as fronteiras estreitas de Portugal, Fernando
Pessoa, em sua feição instigante de poeta singular e plural, tornou-se o mais
famoso dos poetas da língua portuguesa. “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”, o
poeta disse, ganhando dimensões admiráveis cada vez mais toda a extensão desse
dizer, como resultado de uma poesia calcada em dois elementos de natureza
fortíssima, a imagística de seu lirismo e o visionarismo mítico de seu
pensamento.
Poetas
revisitam Pessoa (2003) é a antologia que o professor João
Alves das Neves organizou para homenagear Fernando Pessoa. Nela reúne cinquenta
poetas, entre portugueses e brasileiros, que escreveram poesia inspirada no
poeta e em seus famosos heterônimos, Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro de
Campos. Entre os poetas de Portugal que participam da antologia foram
relacionados Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Miguel Torga, Natália
Correia, Sophia de Mello Breyner Andresen, Teresa Rita Lopes e Vasco Graça
Moura. Do lado brasileiro foram elencados, dentre outros, Manuel Bandeira,
Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Mário Chamie, Alberto da Costa e
Silva, Álvaro Alves de Faria, Ariano Suassuna, Carlos Felipe Moisés, Cyro de
Mattos, Eduardo Alves da Costa, Glauco Matoso, Miguel Jorge e Neide Archanjo.
Além da homenagem que é prestada ao imenso
poeta, que se sentiu um transeunte inútil, estrangeiro no cotidiano de Lisboa,
a “errar em salas de recordações”, essa antologia traz um conjunto harmonioso
de notas afetiva e intelectual, nacional e universal, que ressoam como
descobertas preciosas no próprio Fernando Pessoa, autor de poemas breves e
leves, sonoras canções e versos “ocultistas”.
Da singularidade de uma poesia fingida,
produzida por eus fictícios, a antologia sinaliza em Alberto Caeiro, o poeta
materialista, esses estados do ver e do conhecer relacionados com a realidade
imediata através de sentimentos inocentes. Externa em Ricardo Reis o timbre de
uma poesia clássica, que tem como modelo Horácio, antigo poeta romano. Confere
em Álvaro de Campos aquele poeta impressionado com o mundo tecnológico,
anunciador de ventos velozes, por meio da máquina construtora dos tempos
modernos, após a Primeira Guerra Mundial.
Em Poetas
revisitam Pessoa, lendo-se Agostinho da Silva, por exemplo, fica-se sabendo
dessas reflexões de Alberto Caeiro: Ser
só um elo/ eu ao que é tudo / mas que sem mim / seria mudo (p. 19). Sente-se em Alberto da Costa e Silva
que o eterno é agora e em si mesmo morre (p.
21). Em Carlos Drummond de Andrade percebe-se que por mais que se busquem as
identidades do poeta essas são difíceis de serem achadas. Afinal, quem é quem na maranha /de fingimento que mal finge / e vai tecendo
com fios de astúcia / personas mil na vaga estrutura / de um frágil Pessoa?
(p. 40). Nos desejos de saber por entre versos que tocam as cordas íntimas da
angústia, solidão no mundo, Carlos Drummond de Andrade prefere ignorar esse
enigma com seus diversos eus independentes, expostos,
oblíquos em véu de garoa. Encontra-se ainda em Miguel Torga o poeta de Mensagem como o vidente filho universal / dum futuro-presente Portugal,/ outra vez
trovador e argonauta (p. 88).
Assim temos uma antologia que diz da
singularidade dos sentimentos de Fernando Pessoa e sua multiplicidade pensante
de eus fictícios, criados como fingimento pelo poeta para conhecer-se e
conhecer o outro na leitura do mundo.
Com os poetas Adolfo Casais Monteiro, Glauco Matoso, Mário Chamie, Murilo
Mendes, Natália Correa, Sophia de Mello Breyner Andresen e Vasco Graça Moura, o
poeta buscador sem pátria do “outro” que somos e nos habita é tocado de
afinidades eletivas, apresentando-se de novo com a necessidade de
multiplicar-se para sentir-se.
Para que fosse possível essa
multiplicidade tão dele, sabe-se que construiu uma obra poética a partir de
relação sensitiva e imediata com o ver, desenvolvida por atividade criadora
maiúscula em que precisou refletir tudo, sustentar todo o peso terrestre
através de seus males e mistérios. Entre a ilusão do ver e da lúcida
consciência do saber, nesse conflito diante do mundo, fez-se um dos maiores
fingidores de gente que já apareceu na existência através dos sinais marcantes
e simbólicos da poesia. De maneira genial. Foi urdida uma idealização da
realidade multifacetada para alcançar o sonho composto de humanidade tão dele,
tecida, nas profundezas da alma e labirintos do cérebro, com temas vários
questionadores da existência.
O conhecimento e a compreensão de
poetas portugueses e brasileiros nessa antologia para homenagear Fernando
Pessoa expressam as mais diversas realidades e situações de um poeta incomum
com o seu caso heteronímico. Limita-se o elogio a uma convivência de pensamento
nos círculos da boa poesia, de argumentos cúmplices relacionados com o voo
altíssimo de sentimento do belo na poesia da vida, retomado agora sob uma ótica
própria, bem pessoal.
Trata-se de antologia que, nas
reflexões, lembranças, sonhos, labirintos, amores e dores, resulta em
testemunho importante desse poeta que até hoje desafia a crítica, apaixona
intelectuais e leitores.
Ele, o genial poeta português, que
com Alberto Caeiro confessou:
Não tenho ambições nem desejos.
Ser
poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.
· In
“Encontros com Fernando Pessoa”, do livro Kafka, Faulkner, Borges e Outras
Solidões Imaginadas”, Cyro de Mattos, EDUEM – Editora da Universidade Estadual
de Maringá, Paraná, no prelo.
Poetas revisitam Pessoa, antologia de
poetas portugueses e brasileiros, organização João Alves das Neves,
Universitária Editora, Lisboa, 2003.
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