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quinta-feira, 12 de agosto de 2021

 

Atualidade de Jorge Amado

Cyro de Mattos

 

Não é preciso esforço para compreender que Capitães da Areia é um romance social que tem uma força surpreendente na prosa que denuncia, comprometida com a vida miserável de certas minorias, que não entram na trama do texto vigoroso com suas particularidades fixadas como se fossem tipos curiosos, estranhos, diferentes. É romance que fere na dura lei da vida, sem cura aos que são vítimas de um sistema que privilegia uns poucos e se fortalece diariamente para esmagar a muitos.

É um romance que nas suas cores doloridas deflagra o tratamento violento que a vida dá a essas minorias de meninos que vivem em bando como imperativo da sobrevivência, maltrapilhos, rejeitados, vistos à luz distante, mas que em Jorge Amado, escritor engajado nos problemas sociais que afligem a vida, pulsam dentro, repercutem na compreensão afetiva que habita a personalidade do autor.  O quadro informativo em certo trecho do amor homossexual entre o negrinho Barandão e Almiro é visto como   atenuante do que é sublimado pela falta de carinho, na vida frequentemente espancada, aviltada, provocada pela sociedade que não se cansa de pisar. 

 Publicado há sessenta e três anos, com incontroversa atualidade, o romance presta-se ao juízo de que a situação do menor de rua continua preocupante, hoje como ontem é um problema difícil de ser resolvido sob vários entornos. Paulo Collen, em Mais que a realidade (Cortez Editora, 1988, página 124), relata sua experiência de menino de rua, que não teve família, procurava uma, e dos que tinham, mas que fugiam de casa por problemas emocionais, causados pelos conflitos insuportáveis dos pais.

 

A FEBEM deveria ser uma escola que educasse, transformasse e preparasse o menor para ser respeitado como qualquer cidadão brasileiro. Dando prioridade para a alimentação, a assistência médica e o lazer, a FEBEM só forma marginais. O que eu via nos olhos de cada criança era revolta, angústia e vontade de sair dali.  Cada cabeça ali dentro só ficava fazendo planos de fuga. Os funcionários só faziam espancar.”

 

Se o quadro não fosse esse, até mesmo com o emprego de uma metodologia pedagógica mais humana, como se insinua hoje, não se pode deixar de considerar que não se transforma uma criança, para que no futuro seja um homem, se não se lhe dá afeto, não a prepara com a ferramenta digna de exercer uma profissão, com meios que a façam confiante mais tarde, segura de si, para enfrentar a vida aqui fora.

O mundo é composto de ruins e bons, coisas uteis e inúteis.  O sol oferece sua luz para todos, os pobres, os famintos, os favelados, os mendigos, os abandonados, os loucos. Se o sistema oferecesse a esses desfavorecidos condições ideais para se erguerem na dureza da vida, não fizesse uso da desigualdade, indiferença, preconceito, perseguições, violências, a vida se movimentaria com a ocorrência de respostas decentes. Nas relações sociais alcançaria a autoestima dos que para render precisam da ferramenta necessária ao trabalho, na sua função, ação e reflexão, cônscios da liberdade preservada como o mais alto dos valores e o amor como o sentimento mais forte.

Em Capitães da areia, temos o exemplo de que nem tudo está perdido quando   o Professor, o intelectual do bando, vai para o Rio de Janeiro estudar pintura. Outras condições de vida são agora oferecidas, distantes daquelas que o negavam quando andava   como ladrão e fugindo da polícia na cidade de mais de trezentas igrejas.  Travavam seus pendores, que soltos agora com ideias e emoções fizeram dele um pintor famoso.

 

 

 

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