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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

 

As Intermitências da Poeta Estreante  

Cyro de Mattos

 

         Tenho recebido muitos livros como gentileza de seus autores, alguns deles no intuito de que eu faça uma leitura crítica. A essa altura da estrada comprida no mundo das letras, com quase 86 anos de idade, quase não tenho tempo para ser o leitor voraz de outros tempos. Entre os livros que recebi ultimamente chegou-me Intermitências apenas, de Valéria Grass, que logo me deu a sensação de que se trata de uma autora estreante dona do ofício, com uma linguagem que inova na forma e ideia. A estreia dessa poeta revela um discurso eficiente no qual as vírgulas funcionam como pausas carregadas de significados, tornando-se no texto recursos de uma linguagem transgressiva que elimina a parte obscura da matéria e ao mesmo tempo ilumina o ser.  

Valéria Grass não tem compromisso com o verso, nem pretende se conter na estrofe com seu ritmo convencional. Ao invés disso tece de maneira arguta as capturas necessárias da vida para construir um discurso diferente, armado com tensões e reflexões, no intuito de plasmar o curso da experiência humana com suas circunstâncias vitais. Serve-se do intertexto para fundamentar a ideia e dizer da existência sustentada em eco onde nem sempre os desejos se confirmam.

Como William Faulkner em que o conto sempre importa mais que o contista, nas argumentações, impressões, confissões, vivências, lembranças, vozes, fluxos do inconsciente, em Valéria Grassi o conteúdo vale mais do que o autor com o seu nome gravado no livro, como é a praxe. Importa é o que está posto no centro do seu discurso, que é ela mesma, pulsando nas entranhas suas reflexões e   no pensamento suas concepções da existência.  Nesse fluxo do sentir e pensar a existência humana, há um jeito tão dela de fazer circular por entre vasos intercomunicantes seu discurso inovador em que um feixe de situações existenciais são flagradas para que ressoem sua realidade nas entrelinhas. Nisso afloram recursos inesperados da linguagem com a interrogação, a negação e a afirmação, meios de uma forma e conteúdo que seguem um curso como fluxo incessante para externar a vida com suas visões críticas, atritos e solidões.  

Essa poeta que faz sua estreia com Intermitências apenas, em que a vírgula exerce sua função nas entrelinhas, reveladora de sentidos, mostra no seu primeiro livro a capacidade de se tornar uma voz expressiva da poesia atual.  Chega para permanecer com seu discurso instigante marcado de ideias e   reflexões inteligentes trazidas pelo vento em seu galope do imaginário para levá-la até onde puder chegar.

 

* Intermitências apenas, Valéria Grassi, Editora Cambucã, Rio de Janeiro, 2024.

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