As Intermitências da Poeta
Estreante
Cyro de Mattos
Tenho recebido muitos livros como
gentileza de seus autores, alguns deles no intuito de que eu faça uma leitura
crítica. A essa altura da estrada comprida no mundo das letras, com quase 86
anos de idade, quase não tenho tempo para ser o leitor voraz de outros tempos. Entre
os livros que recebi ultimamente chegou-me Intermitências apenas, de Valéria
Grass, que logo me deu a sensação de que se trata de uma autora estreante dona
do ofício, com uma linguagem que inova na forma e ideia. A estreia dessa poeta revela
um discurso eficiente no qual as vírgulas funcionam como pausas carregadas de significados,
tornando-se no texto recursos de uma linguagem transgressiva que elimina a
parte obscura da matéria e ao mesmo tempo ilumina o ser.
Valéria Grass não tem compromisso
com o verso, nem pretende se conter na estrofe com seu ritmo convencional. Ao
invés disso tece de maneira arguta as capturas necessárias da vida para
construir um discurso diferente, armado com tensões e reflexões, no intuito de plasmar
o curso da experiência humana com suas circunstâncias vitais. Serve-se do
intertexto para fundamentar a ideia e dizer da existência sustentada em eco
onde nem sempre os desejos se confirmam.
Como William Faulkner em que
o conto sempre importa mais que o contista, nas argumentações, impressões, confissões,
vivências, lembranças, vozes, fluxos do inconsciente, em Valéria Grassi o
conteúdo vale mais do que o autor com o seu nome gravado no livro, como é a
praxe. Importa é o que está posto no centro do seu discurso, que é ela mesma, pulsando
nas entranhas suas reflexões e no pensamento suas concepções da existência. Nesse fluxo do sentir e pensar a existência
humana, há um jeito tão dela de fazer circular por entre vasos
intercomunicantes seu discurso inovador em que um feixe de situações
existenciais são flagradas para que ressoem sua realidade nas entrelinhas. Nisso
afloram recursos inesperados da linguagem com a interrogação, a negação e a afirmação,
meios de uma forma e conteúdo que seguem um curso como fluxo incessante para
externar a vida com suas visões críticas, atritos e solidões.
Essa poeta que faz sua
estreia com Intermitências apenas, em que a vírgula exerce sua função nas
entrelinhas, reveladora de sentidos, mostra no seu primeiro livro a capacidade de
se tornar uma voz expressiva da poesia atual. Chega para permanecer com seu discurso
instigante marcado de ideias e reflexões inteligentes trazidas pelo vento em
seu galope do imaginário para levá-la até onde puder chegar.
*
Intermitências apenas, Valéria Grassi, Editora Cambucã, Rio de
Janeiro, 2024.
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