Cyro de
Mattos
A cidade tinha pouco mais de quinze mil
habitantes. Servira de burgo de penetração aos forasteiros que adentravam o
continente na conquista e povoamento da terra. Tinha poucas ruas calçadas, um
cinema, uma praça, pequena igreja, um ginásio, três bairros. O comércio era
ativo na avenida principal. O rio corria manso no estio, era valente na
enchente. Tinha peixe em abundância nas águas de fontes claríssimas.
Ninguém podia imaginar que um dia fosse
inventada a televisão, na tela de um aparelho mágico se assistiria tudo que
estava acontecendo no mundo. Os brinquedos seriam fabricados pelos meios
eletrônicos como resultados dos avanços tecnológicos. Na pequena cidade
respirava-se um clima de estábulo quando chegava o mês de dezembro. Comemorava-se o Natal como se a cidade fosse
uma família grande. Todos, dos ricos aos mais humildes, integravam-se no clima
da festa, que anunciava a vinda do menino para fazer a proeza de estrela
iluminando uma só mesa com todas as mãos.
Papai Noel existia no imaginário de cada
criança. A mãe lembrava, na semana próxima ao Natal, que o filho fosse escrever
a carta, colocasse no sapato quando for dormir, pedindo a Papai Noel o presente
que você quer ganhar nesse ano. Foi o que o menino fez no mesmo dia, pedindo
que queria ganhar uma bola de couro daquela vez para jogar futebol com os
amigos no campo da praça Camacan.
Na
véspera de Natal, a mãe disse que fosse dormir cedo, Papai Noel podia passar
por aqui e se encontrasse você acordado não vai deixar seu presente no sapato.
Ele só deixa o presente no sapato se o menino estiver dormindo, não podia
esperar o garoto pegar no sono, tem muita criança para presentear naquele dia
especial, consagrado ao nascimento do menino Jesus na manjedoura.
O velocípede, o jogo de botão, o dominó, o jogo
de dama, o realejo e o pião que rodava na mão foram presentes que Papai Noel
deixara quando acontecia o Natal. Estavam no baú onde também guardava as
revistas de quadrinhos, guri e gibi.
Quando chegou finalmente a véspera de Natal,
obedeceu ao conselho da mãe, foi dormir cedo, na certeza de que Papai Noel não
ia se esquecer dele. Acordou no outro dia com sono. O susto esplêndido teve
quando clareava o dia. Lá estava no par
de sapatos a bola de couro como o presente de Papai Noel, que atendera o seu
pedido.
O domingo brilhava com a sua luz forte que caía
do céu sobre todas as coisas. De calção e peito nu, chamou os meninos para
escolher os times para mais uma partida de futebol. Como dono da bola, na
formação de seu time, tinha preferência para escolher os garotos que fossem os
melhores jogadores. De agora em diante, com esse privilégio, o time que
escolhesse seria vencedor em todas as partidas no jogo de futebol. E isso tinha
que agradecer ao Papai Noel.
Passados tantos anos, o homem idoso não
esqueceu que Papai Noel mora em um lugar que neva. Chega no trenó puxado por
renas. Entra pela janela para deixar no sapato o presente que o menino pediu,
isso porque as casas da sua cidade não possuem chaminé. Veste roupa vermelha, usa
uma barba branca crescida, o gorro cobre os cabelos sedosos. Não faz rô, rô,
rô, nem tira foto com a criança no supermercado. Não é pretexto para motivar as
vendas no comércio nessa fase do ano. Não é um Papai Noel protagonista da sociedade
consumista.
É um encantado, o homem idoso prefere esse, que
faz bem, torna a vida viável como se fosse uma grande mentira de verdade.
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