O vento
e suas maneiras
Cyro de
Mattos
A mãe dizia:
- Pra dentro menino! É vem o vento
levado levando cisco!
Quando feria o olho com um cisco, inflamava,
causava aborrecimento.
No verão abafado refrescava. Se fosse
no tempo de veraneio, na cidade vizinha, de praias lindíssimas, tinha o gosto
de sal. Rolava com as ondas, que rugiam como se fossem leões de jubas brancas e
luminosas. Zangado batia, voltava, batia. Reinventava-se na areia como colares
de espuma. Rendilhado murmurejava, cochichava com peixinhos minúsculos no raso.
Ao largo fazia das vagas tirânicos
vagões, incríveis vagalhões, tufão. Quebrava o mastro, afundava a embarcação. Mostrava-se
indiferente aos gritos lancinantes dos náufragos pedindo por socorro. Era
impiedoso, esbagaçava as ondas no rochedo. Tomava altura inimaginável.
Mágico, mais ligeiro do que tudo em
movimento veloz, o único que sem pernas ia até o fim do mundo, chegando primeiro.
Esmurrava o rio na enchente, causando estragos nas casas ribeirinhas e na
avenida principal onde estava instalado um comercinho ativo.
Travesso zuinchava na greta da porta e da
janela. Interrompia o sono das pessoas quando dormiam na cidade pequena, após
mais um dia de trabalho estafante, fazendo barulho nas telhas de alumínio no
telhado.
Salpicado de verdes e azuis rolava no
mar, pra lá, pra cá. Dava uma sensação agradável quando soprava no campo com o
gosto de terra molhada. Morno, gostava de fazer carícia no rosto da árvore
frutífera, folhas como cílios pestanejavam.
Tocava uma música suave nas folhas da
palmeira, farfalhava no quintal durante a primavera cheia de passarinhos
saltitantes, voos e gorjeios.
. No inverno esvoaçava toalhas de névoa
pelas ruas vazias da cidade, penetrada de frieza, os ares gelatinosos, tendo
aspecto fantasmal. Em trêmulos movimentos, seus espectros de névoa vagavam por
todos os cantos.
Vento, ventania, vendaval. Levava tudo
que encontrava pela frente. Derrubava árvore, poste, ponte. Mudava a casa de um
lugar para outro. Emborcava o caminhão, rompia a ponte, fazia rachaduras nas
paredes do prédio. A lona do circo
fora jogada longe, o sobrado desmoronou-se, ficou reduzido a escombros, não
perdoou nem o nome do dono, Comendador Ataulfo Seabra, em grandes letras de
bronze gravadas na fachada. Botou abaixo o muro que cercava o estádio de
futebol, as torres de iluminação do campo ficaram aos pedaços.
Quando era leve, chegava de mansinho para soprar
na florzinha da plantinha sozinha no brejo. Afagava, recebia de volta
fragrâncias, retornava ao seu rumo incerto,
ninguém sabe onde começa nem termina.
Assoviava no canavial, açoitava,
chicoteava as folhas da cana, que se agachavam e subiam, ondulavam como num mar
verdejante, agitado na terra preta do engenho.
No velório amolava sua lâmina com os mudos
gemidos da mulher, inconformada com a perda irreparável do marido. Dava frio na
barriga dos que estavam presentes na vigília do velório. A expressão do rosto coberto
de sombra e tristeza. Os olhos assombrados no ambiente quieto, sem compreender
o que estava acontecendo, atemorizados com a presença daquele vento, frio, sem
cor, pousado no morto. Transtornava, incompreensível, desconcertava.
Era este o vento que metia mais medo,
imóvel, surdo, cego, mudo, habitava severo no funeral das horas.
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