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domingo, 11 de agosto de 2013

A Patativa Nininha

                     A Patativa Nininha

                                          (Crônica de Cyro de Mattos)


Nininha era a patativa de nossa rua. Faladeira que só ela quando não estava cantando. Pequenina, pele cor de cobre, seus cabelos soltos iam até a metade das costas. Andava ligeira nos passos miúdos. Tinha cinco irmãos. Com o falecimento da mãe ficou incumbida de conduzir as tarefas de casa. Mal o sol despontava, eu ficava ouvindo do meu quarto  a vizinha desfiar na sua voz cantadora as canções mais românticas do nosso cancioneiro popular.
 
De manhã cedo, custava a sair da cama só para ficar ouvindo a vizinha interpretando alguma canção que seus cantores prediletos costumavam cantar.  Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Emilinha Borba, Alaíde Costa, Caubi Peixoto, Francisco Alves, Luís Gonzaga, Nelson Gonçalves, Moreira da Silva, Agnaldo Rayol e Orlando Silva. Nessa hora parecia que os passarinhos no pé de carambola gostavam também de ouvir a vizinha cantar na manhã cheia de luz. Eles ficavam assanhados,  não paravam de cantar e pular nos galhos do pé de carambola. Com cantos e pios faziam o fundo musical para que a voz maviosa de Nininha se propagasse na manhã festiva.
 
Nininha da Mata Virgem. Certa vez perguntei ao amigo Codinho, irmão de Nininha,  porque ele e as irmãs tinham aquele sobrenome Mata Virgem. Ele me disse que o pai andou muito pela mata virgem, cheia de cobras e bichos perigosos, para não se falar dos índios,  no tempo em que a lavoura cacaueira estava no início. Existiam poucas roças de cacau na região. As árvores nativas cobriam léguas de terra fértil. O pai de Codinho conseguiu derrubar um estirão de mata virgem na zona de Ferradas e plantar na clareira uma pequena roça de cereal e  cacau. Ficou assim conhecido como o homem da mata virgem. O chamamento, como se fosse o sobrenome,  pegou feito visgo no pai e  filhos.
 
Os meninos de meu tempo começavam a se interessar  em aprender a cantar os sambas e as marchinhas quando se aproximava o Carnaval. Quem soubesse cantar os sambas e as marchinhas carnavalescas tinha um trunfo para atrair e namorar as meninas bonitas, fantasiadas durante o baile na matinê do Itabuna Social Clube. Sempre contei com a ajuda de Nininha para aprender a letra e como cantar com fervor o samba e a marchinha. Ela tinha vários cadernos anotados com a letra da música carnavalesca. Ficava horas ao pé do rádio ouvindo o programa de carnaval nas emissoras da  Nacional, Tupi, Continental e Tamoio. Ouvia Jorge Veiga, Jorge Goulart, Marlene, Emilinha Borba, Francisco Carlos, Elza Soares, Carmélia Alves, as irmãs Linda e Dircinha Batista.  Ouvia bem atenta e ia passando para o caderno  a letra da marcha ou samba que aquelas  vozes animadas  cantavam no programa.
 
O cunhado de Nininha era o locutor do Serviço Regional de Propaganda Regional. Timóteo tinha uma voz metálica, que saía vagarosa pelo alto-falante no poste quando estava anunciando os produtos à venda com preço barato pelas casas comerciais. Ele costumava colocar o canto triste da ave-maria pelo alto-falante, em cada entardecer, para que tocasse no fundo da alma dos seus ouvintes e fãs, que trabalhavam  nas lojas do comércio, moravam nas casas perto do centro ou dos bairros da cidade.
 
Daquela vez houve um contratempo com o disco que costumava tocar a ave-maria. Amanheceu com defeito na gravação. Quando tocava a música, esta  ficava interrompida em várias passagens. Nininha foi chamada às pressas por Timóteo para cantar daquela vez a ave-maria. A interpretação de Nininha emocionou as pessoas, que ficaram comentando na semana o surpreendente desempenho de minha vizinha.  Nunca se tinha ouvido uma ave-maria ser cantada por voz tão piedosa e triste. Nininha recebeu muitas congratulações por sua cantata da ave-maria.  Timóteo foi uma das pessoas que muito se emocionou  com a voz dela  quando cantou a ave-maria.
 
Uma vez eu vi um homem conversando alegre com Nininha na sala da frente de sua casa. Soube depois que era o seu namorado. Daquele dia em diante ela  passou a cantar com mais intensidade as canções românticas na manhã ensolarada, o coração  irradiava felicidade por todos os cantos da casa.  Em pouco tempo ficaram noivos, o  casamento ocorreu daí a um ano,  com uma noiva baixinha, de véu e grinalda,  um noivo engravatado, alto e gordo, embora alguns vizinhos duvidassem que um dia aquele enlace  fosse  acontecer. 
 
Nininha foi cantar agora cantigas bonitas nas manhãs e tardes do novo lar. Sem a sua voz, as manhãs perderam o encanto na casa vizinha onde ela morava. Eu nunca mais fiquei ouvindo a patativa de minha rua cantar bolero, tango, baião, samba, samba-canção, marcha e valsa. Qualquer cantiga suave ou canção de fundo dramático do nosso cancioneiro popular com aquela voz que Deus lhe deu para alegrar a vida.  



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