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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Um jipe sem Igual
                                  
                                          (Crônica de Cyro de Mattos)




Tinha o apelido de Jipe, Não era apenas mais um doido manso que causava graça com suas esquisitices na cidade. Era o mais querido da garotada e gente grande. Descalço, vestido numa calça de brim e camisa de malha, no início andava correndo nas ruas,  depois passou a fazer viagens mais demoradas pelas estradas que interligavam as cidades circunvizinhas. Lá se ia veloz no jipe de sua imaginação, buzinando, cortando as lufadas de vento no peito, onde ele dizia que funcionava o motor do carro.  O ponto de partida era no passeio da barbearia do Álvaro.
Certa vez andou mudando de carro. Experimentou o Chevette, a DKW, a pick-up da Ford, o caminhão FNM, o automóvel de passeio da Chevrolet, para cinco passageiros, o Dodge, o Mercury, até a confortável, macia e cobiçada Cadilac, mas não se deu bem com nenhum desses carros. O casamento perfeito era com o jipe, carro duro, que não quebrava. Enfrentava estrada com poeira ou lama, no duro ou no mole. Não fazia cara feia para buraco grande. Seguro do que estava afirmando, ele sempre destacava as qualidades do carro de sua preferência, o imbatível jipe.  
Só descansava aos domingos, dia para a revisão geral no seu estimado veículo. Trocar o óleo, apertar parafuso, completar o tanque com gasolina. Fazer a lavagem cuidadosa na corredeira rasa do rio. Esfregar as rodas, retirar qualquer vestígio de lama, deixar o seu querido jipe na ponta dos cascos. 
Na segunda-feira, no passeio da barbearia do Álvaro,  às oito horas, anunciava com fortes buzinadas – pon, pon... pon, pon... – que Jipe ia dar partida daqui a pouco, rumo à cidade vizinha de Ilhéus. Ligava o motor – ruuuum ruuum –, olhava para a sua frente com atenção dobrada, procurando ver se a rua estava livre, sem algum desses motoristas malucos, que não obedecem aos sinais de trânsito e de repente provocam o desastre. Quando não colide o carro no outro veículo, atropela o transeunte, sem mais nem menos. Uns irresponsáveis no volante, pouco respeitam a vida alheia. Essa gente não merecia receber carteira do departamento de trânsito. Nem carteira de profissional nem de amador, dizia de si para si, resmungando.
Não era o seu caso. Com boa experiência no volante, nunca havia causado qualquer leve acidente nas ruas da cidade ou nas estradas. Era o máximo, só puxava mais de oitenta quando a reta permitia isso,  não houvesse perigo de ultrapassar o outro carro. Na cidade, o pedestre sempre tinha preferência. Logo parava e mandava o transeunte atravessar a rua. Se fosse portador de deficiência física, o cuidado era redobrado. Tinha ocasião que estacionava o seu jipe bem devagar, saltava do carro e ia ajudar o cego a atravessar a rua.
Por que se tornara um jipe, afamado e comentado por suas proezas automobilísticas nas ruas da cidade e estradas? Gostava de afirmar que não havia motorista de ônibus, caminhão ou carro de passeio que conseguisse vencer uma corrida disputada com ele. Sempre chegava primeiro, graças à sua habilidade de controlar bem o volante, saber passar a marcha na hora certa e pisar o acelerador no momento oportuno. Só dirigia seu jipe com prudência, perícia e competência, nada de fé em Deus e pé na tábua, saindo  por aí em alta velocidade feito um doido..
Foi o meu amigo Duduca que me contou o motivo pelo qual ele se tornara um jipe na sua imaginação. O pai havia prometido dar a ele um jipe se fosse aprovado no vestibular de Direito. Nem estudou muito para enfrentar o temível exame do vestibular na Capital. Conseguiu ser o primeiro na lista dos aprovados, graças à sua inteligência privilegiada. O pai não cumpriu a promessa. Ele foi se desgostando de ser um estudante universitário, com o futuro promissor para se tornar um advogado brilhante. Um dia, para surpresa do pai, vergonha de uma das famílias aristocráticas da cidade, abandonou os estudos. Sonhou que não havia nascido para se tornar um advogado, mas para ser um jipe.
Amanheceu no passeio da barbearia do Álvaro, alardeando a novidade. Decidira  se tornar um jipe. Trazia com ele um farol, duas placas, espelho retrovisor, a buzina e a caixa de ferramentas. E lá se foi correndo pela rua, na sua primeira incursão como um jipe de verdade, buzinando, buzinando.
Dá pena, pois não mais veremos Jipe guiando o carro de sua imaginação pelas ruas da cidade ou estradas pedregosas. O amigo Duduca deu-me a notícia com o semblante triste. Faleceu aquele homem de estatura baixa, voz nervosa, que só aparecia com a camisa molhada, o rosto respingado de suor, e que havia nascido em Amargosa, conforme anotava a carteira de motorista, que ele mesmo confeccionou.
Contou-me ainda mais o amigo Duduca que os apetrechos de seu carro, uma placa, que ele costumava trazer  presa atrás, outra pendendo do pescoço, a antena de rádio que portava na mão esquerda e, na direita, um retrovisor, foram com ele dentro do caixão. O Jipe mais engraçado da cidade agora estava lá nas nuvens, pegando corrida com os anjos, pelas estradas de algodão do céu.




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