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sábado, 30 de novembro de 2013

Minha Prima Gringa




Gringa era uma das primas que morava na cidade vizinha de Ilhéus. Minha tia Bebé escreveu para minha mãe avisando que a prima Gringa ia passar quinze dias na casa da tia de Itabuna quando chegassem as suas férias no final do ano.  Estava ansioso para que chegasse o dia de conhecer aquela prima, que devia saber muita coisa sobre o mar de Ilhéus, uma cidade que tinha praias belíssimas, prédios antigos, ruas estreitas no comércio e casas nos morros, segundo um dia meu pai me informou.
 Uma das coisas que me deixava triste era não conhecer o mar. Tinha muita vontade de conhecer. O menino que conhecia o mar julgava-se importante, gozava de prestígio e certo respeito pelos outros garotos de sua turma. Por mais que a turma dos meus queridos amigos gostasse do rio Cachoeira, nada se comparava ao mar, de tão bonito com sua imensidão, brilho no azul e ondas que rugiam como leões,  antes que se partissem na praia e inventassem espumas na areia.
Tudo isso que eu sabia sobre o mar era porque meu pai contava. Agora queria ouvir da boca de minha prima mais coisas sobre o mar. Gringa  foi chegando lá em casa e mostrou logo que era muito faladeira. Devia ter uns quinze anos de idade,  parecia que já era uma moça feita. Tinha o corpo cheio, os quadris largos, cintura grossa, cabelos alourados, olhos claros. 
Ela tinha chegado pelo sábado, no ônibus das 10 horas.  Minha mãe levou a prima para assistir à missa das 7 horas na Igreja de Santo Antonio, no domingo. Fiquei sabendo que minha prima era mais velha do que eu seis anos de idade.  Ela já tinha feito a primeira comunhão, o que ainda não tinha acontecido comigo. Contou-me que tinha um namorado em Ilhéus, chamava-se Zuca, era o dono de um saveiro, ganhava a vida viajando pelo mar. Trazia no saveiro a carga com vassoura, balaio, moringa e outros utensílios populares. Ele comprava em Aracaju e vendia aos feirantes no cais de Ilhéus.
Fui no domingo à tarde com a prima para assistir à fita de bangue-bangue no Cine Itabuna. Ela vibrou, deu suspiros e risos fortes quando o mocinho afugentou os bandidos com tiros de revólver e conseguiu salvar a mocinha. Estava sendo levada pelo chefão na carruagem carregada de sacos moedas de ouro, que a bandidagem tinha acabado de assaltar. 
A prima fez amizade com duas meninas, Tania e Blandina, que moravam em nossa rua. À noite ficavam as três contando histórias, cada uma mais bonita do que a outra. Eu ficava sentado no meio-fio do passeio, ouvindo a prima contar histórias dos pescadores nos mares de Ilhéus. Ela falou certa vez para as duas novas amigas que da casa no morro onde morava avistava o mar cheio de azul na barra, balançando na imensidão das águas, cujas vagas perdiam-se até lá na curva do horizonte. De lá, do alto do morro, avistava-se os saveiros como pontos brancos, singrando nas águas da baía, assim como os navios que entravam no canal, apitando, quando vinham atracar no porto. Falou também que, quando terminava de descer o morro com os irmãos dela, os meus primos Velho, Preto, Lurdinha, Mariana e Judite, era só andar mais um pouco e já estava pisando na areia da praia do Cristo de pedra com os braços abertos para o mar. Ali tomava banho de mar com Judite, a irmã caçula, enquanto os irmãos ficavam pescando peixe com vara de anzol e siri com a siripóia.
Meio sem graça, disse à prima que não conhecia o mar. Um menino de minha turma gostava de mangar de mim porque eu não conhecia a coisa mais bonita que Deus fez na natureza. Ele informou que estava rezando para que chegassem logo as férias no final do ano para que fosse com os pais veranear no Pontal dos Ilhéus.  Uma coisa é tomar banho na água salgada, que faz bem ao corpo, é fonte de saúde, outra coisa é tomar banho nesse rio sem graça, arriscado qualquer um pegar doença no abrir e fechar do olho, finalizou, trancando os lábios para não sorrir.
Minha prima Gringa falou com meu pai e minha mãe para que deixassem o primo viajar com ela no seu retorno para Ilhéus. Para minha surpresa o pai consentiu, depois de ouvir os apelos de minha mãe, lembrando que eu era um bom filho, gostava de estudar e não lhe dava trabalho. 
De calção azul, peito nu e pé no chão, desci o morro com minha prima e os outros primos, ansioso para entrar pela primeira vez no mar. Fui levado para tomar banho na praia que ficava em frente da avenida. Quando vi aquelas águas roncando ali perto sem parar, como se fosse um bicho do outro mundo, segurei a mão da prima e apertei. Fiz esforço para não chorar.
- Não tenha medo. Logo você acostuma – ela disse.
Estava certa. No segundo dia já me sentia com mais coragem para entrar no mar. No terceiro não queria sair de dentro da água. Mergulhava nas ondas quando elas vinham ligeiras na minha direção querendo me derrubar. E todos os dias em que  passei com a prima Gringa e os outros primos em Ilhéus, durante três semanas,  pela manhã eu só queria tomar banho de mar.
Viajei de volta para a minha cidade naquele domingo de verão com o sol brilhando forte no céu, de cegar os olhos. Antes de embarcar no ônibus, tomei a bênção à minha tia Bebé. Beijei minha prima Gringa em cada face de seu rosto rechonchudo.   Retornei para Itabuna como o menino mais feliz do mundo. Já não era mais um daqueles garotos  de minha turma que não conhecia o mar.

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