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domingo, 25 de junho de 2017

                   



                        A Única Briga
                   
                       Crônica de Cyro de Mattos



Só brigou uma vez no internato. Foi com um menino que jogava de ponta-esquerda no time de camisa branca. Jogando como lateral direito no time de camisa azul,  ele dava uma marcação implacável àquele menino troncudo, baixo, braços musculosos.  Em compensação era menor do que ele, que sempre se antecipava para tomar a bola dele, um  atacante arisco, bom no drible curto, precisando ser marcado de perto.
 Era um duelo à parte entre os dois quando o time de camisa azul enfrentava o de camisa branca.
Na última partida, o marcador e o atacante  chocaram-se na grande área, temeu-se que os dois contendores tivessem se machucado gravemente. Houve bate-boca, dedo em riste no rosto, da próxima vez eu lhe quebro a canela, jogadores dos dois times apartaram os dois para evitar a briga. Terminado o jogo, atracaram-se e a briga não continuou porque o Irmão Já-Morreu trilou o apito várias vezes, pedindo a seguir  que os dois rivais lhe acompanhassem.
Adiante, no campo vazio, ao lado da parede alta atrás de um dos pavilhões do colégio, o Irmão ordenou:
- Agora podem brigar à vontade. Ninguém vai apartar.
Brigaram mais de uma hora. Nos lances com murros desfechados um ao outro, ele procurava evitar que o rival agarrasse o seu corpo. Se tal acontecesse, seria derrubado, e, no chão, dominado,  massacrado,  não teria  a mínima chance para vencer a briga.
A certa altura do duelo, os brigões mostravam cansaço, mas nenhum deles  recuava, não pensava em correr.  O irmão mais velho disse para ele que, se um dia brigasse com um dos meninos internos, fosse até o fim, nunca corresse. Tomasse pancada, mas agüentasse, mesmo que tivesse de ser o  perdedor. Quem corria em qualquer briga, era chamado de frouxo, ficava sem merecer o respeito dos outros. 
Exatamente o que ele fez, retirou forças de onde não mais existia,  e, com as recomendações do irmão na cabeça, desferiu  uma saraivada de golpes na barriga do menino troncudo, que não resistiu, rodopiou e caiu, gemendo.
O rosto inchado, corte na boca e no supercílio. Apresentou-se com o rival  ao Irmão Já-Morreu, que ordenou, vão  tomar banho e mudar de roupa, depois desçam  para o refeitório.  Aconteceu depois que o derrotado  na briga ficou proibido de sair do internato quatro domingos,  o mesmo castigo foi dado a ele.

O tempo que ficou no internato, o menino troncudo evitou falar com ele. Passava de cara enfezada  quando o  encontrava  em qualquer lugar do colégio. Ao contrário, ele não guardou raiva  do seu adversário, até estava disposto a fazer as pazes com ele, deixando a rivalidade para dentro do campo quando o  time de camisa azul fosse jogar mais uma partida contra o de camisa branca. 

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