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quinta-feira, 28 de setembro de 2017



Um Museu Importante que Foi Casa
 de Coronel de Cacau Está Desativado

                                                 Cyro de Mattos

A Fundação Henrique Alves dos Reis foi forçada  a ficar desativada  em 1990, em razão da falta de recursos e, com isso, o município de Itabuna sofreu uma grande perda dentro do contexto cultural de seus espaços mais importantes. A Fundação era mantida com os rendimentos de 2.500 arrobas de cacau que a fazenda Sempre Viva produzia anualmente. O baixo preço do produto àquela época e a carestia imposta por uma inflação galopante fizeram com que  se tornasse inviável a sua manutenção. Em época mais recente, ainda como fator negativo para reativar a fundação Henrique Alves dos Reis, interferiu o advento da praga da vassoura-de-bruxa, contribuindo para a quase devastação da lavoura cacaueira.
Idealizada por dona Elvira dos Reis Moreira para perpetuar a memória do pai, coronel Henrique Alves dos Reis, desbravador e  chefe político de grande influência no município,  a Fundação foi instalada em 11 de setembro de 1978, mas em 10 de maio de 1974 já existia  o Museu Casa Verde, que passou depois a integrar o patrimônio da instituição. Funcionava no local onde,  no princípio do século XX, existia um armazém para a comercialização e  depósito do cacau.  Com a destruição do armazém, foi erguida em seu lugar a Casa Verde, datada de 1887, onde moraram o coronel Henrique Alves dos Reis e sua mulher, dona Cordolina Loup dos Reis, a filha Elvira e o genro, Miguel Moreira, que foi prefeito de Itabuna.
O Museu Casa Verde preserva o passado da conquista e do domínio dos coronéis do cacau, um tempo áureo da civilização grapiúna visível nas peças e indumentárias dos séculos XIX e XX, pertencentes à família do coronel Henrique Alves dos Reis. O mobiliário ali exposto é em madeira trabalhado na Áustria e em Portugal, conservando o museu um acervo constituído de mais de 2.500 peças de cristais de Baracat, prata, coleções belíssimas de biscuits franceses, aparelhos de  café e jantar de Limoges e da Inglaterra, conjunto de talheres de Cristophe, móveis em estilo Luís XV, bandejas, jarros,  e bacias em louça chinesa, floreiras em electroprata, além de objetos pessoais; fardamentos, espadas, moedas em prata dos primeiros anos do século XX, vestidos, chapéus e leques.
Documentos valiosos sobre a memória política da cidade estão ali guardados, assim como vários números do jornal O Intransigente, um dos primeiros veículos da imprensa local, cuja primeira página  do primeiro número foi impressa em seda pura.
A Universidade  Estadual de Santa Cruz  - UESC – e o seu Centro de Documentação e Memória Regional – CEDOC – assumiram no final do século XX  a administração do Museu Casa Verde, da Fundação Henrique Alves dos Reis, em Itabuna, contribuindo  assim para formar, por extensão, o diálogo entre a memória, que é o lugar de onde emerge a história, e as pessoas que forem visitar um espaço formador do desenvolvimento sócio-cultural da comunidade baiana e, em particular, da grapiúna.
Reativar, manter e disponibilizar ao público o Museu Casa Verde, criado em 1974, significou não só preservar a memória da civilização cacaueira com o seu modo singular de vida, mas também possibilitou a construção de novos conceitos de manutenção histórico-patrimonial, em sintonia valiosa com o conhecimento autêntico do passado regional. No Museu Casa Verde percebe-se e compreende-se que ali está manifesta uma linguagem que vem do começo da civilização do cacau, formada pelos falares  e fazeres no dia-a-dia, doméstico, urbano e religioso, dentro e fora  da residência dos pioneiros que conquistaram a terra coberta de mata virgem.
Naquela oportunidade, a  reativação do Museu Casa Verde foi, ainda, um modo  eficaz de desconstituir a postura ilimitada de que modernidade e progresso, nos tempos velozes  da internet, andam de mãos dadas como meios incontornáveis para a exclusão do que seja antigo. Deu-se  oportunidade através de uma universidade criativa, e que se tornou uma sólida instituição cultural do Sul da Bahia, para conhecer e apreciar, pesquisar e estudar, duas mil peças de aspectos com os seus significados, significantes e elementos da natureza histórico-social, os quais servem sobretudo para a compreensão mais abrangente da Região Cacaueira Baiana e da História do Brasil.
No entanto, depois de alguns anos de proveitosa atuação, a parceria foi dissolvida. E,  passados tantos anos,  o Museu  Casa Verde continua desativado, causando prejuízos de natureza histórico-cultural  à comunidade  e ao Sul da Bahia, o que é lastimável.



A Casa Verde

Cyro de Mattos

O sol partindo-se nas gargalhadas.
O tempo tendo os pulsos firmes, eis
O coronel Henrique Alves dos Reis.

Na selva indômita o fino bordado
De Dona Cordolina, leves asas
Do amor que na valsa voa e suspira.

Sombras caminham no aroma de noites
Gemidas, os lençóis rangem na alcova
De Dom Miguel e Dona Elvira. A cava

Hora do rebento que nunca veio.
Ai, solidões a sugar o triste seio.
Grave paisagem grava o relógio

Na parede. Em cada coisa que toco,
Em cada voz que escuto,  em cada traço
Que adivinho. Gestos longínquos há

De um certo pássaro agora, que canta
Em mim e invisível ganha o silêncio.
Estranha vertigem do verde,  ser

Esta casa, flor que já não trescala,
Rio que não passa. No exílio ser
Turvo sonho na poeira dos marcos.

Quem sabe por que razão os cristais
Foram a manhã dessa casa? A seda
Cativou com tão suave perfume?



( Poema inspirado na casa que  serviu de residência a Henrique  Alves dos Reis, coronel do cacau,  e sua família, em Itabuna (rua Miguel Calmon),  do livro Cancioneiro do Cacau,  Segundo Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, Genova, Itália, e Prêmio Nacional  Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores/Rio).

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