AS GARÇAS
Cyro de Mattos
Chegaram sem avisar e se
instalaram em alguns pontos do rio. Ficam espalhadas sobre as pedras e nos
locais onde existem baronesas cobrindo as águas empoçadas. Permanecem aos
grupos, no trecho em que o rio dá uma volta grande e começa a se despedir da
cidade, rumo ao mar, depois da Ponte
Velha. Dizem que escolheram para a dormida as árvores grandes de uma ilha no
meio do rio. Falam que apareceram aqui para o acasalamento. Alguns discordam,
achando que vieram em busca de alimento. Com o desequilíbrio que vem ocorrendo
constantemente no ecossistema, comenta-se que tiveram de buscar novo pouso onde
pudessem se alimentar.
O rio há meses está seco.
Com as águas empoçadas, em muitos trechos coberto de baronesas, os peixes vêm à
superfície em busca de ar, tornando-se presa fácil das garças. Se elas vieram
em busca de alimentos como querem alguns, ou de novo sítio para o acasalamento
como defendem outros, as divergências deixam de existir num ponto em que todos
esperam que aconteça para sempre. As garças não devem mais sair do rio. Em seus
perfis brancos e passos pernaltas, trouxeram novo visual ao rio, onde quer que
estejam, nas pedras pretas, ilhotas e baronesas. Solitárias ou em pequenos
grupos.
Essa é a primeira vez que
elas aparecem por aqui. Com os seus voos serenos já fazem parte da vida da
cidade. Em sua pose vertical para a foto ou quando uma delas desliza como nave
em seu voo lindo, de noiva do azul. É
comum se ouvir falar sobre elas nos bares, esquinas, barbearias, ao longo das
margens entre os ribeirinhos. São notícias nos jornais, rádios, nas duas
emissoras de televisão.
Com a represa que fizeram
próxima à ponte velha, o rio teve a sua paisagem modificada. Deixaram de
existir as lavadeiras que estendiam as roupas nas pedras pretas e ofereciam de
graça um espetáculo diversicolorido, sob a luz forte do sol de verão. Os
tiradores de areia não passam mais com os jumentos carregados de latas de
areia, rumo às construções próximas e bairros distantes. Com a represa, a
paisagem do rio tornou-se monótona, principalmente no trecho em que o Cachoeira
corta a cidade em duas partes. Agora, somente um extenso local d’água no curso
sereno do rio, com a represa que construíram para evitar que o velho Cachoeira
se espraiasse nas margens, invadindo a cidade, quando da cheias grandes.
Elas sobrevoam pela manhã
esse extenso lençol d’água, dando um visual de encanto e paz. Amenizam a
paisagem feia do rio, que, chorando água, recebe agora, em muitos pontos, uma
matéria viscosa deixada pelos esgotos. Comenta-se que o rio já teve muitos
peixes e que, há algumas décadas, a sua água nas correntezas era clara. Você
via no leito do rio peixinhos e pedrinhas redondas.
Grandes e pequenas, bico
amarelo ou preto, as garças vivem aos bandos. Moram nos rios, lagoas, charcos,
praias marítimas, manguezal de pouca salinidade. Alimentam-se quase só de
peixes. Branco caminho de trilhas aladas, sou daqueles que acreditam que as
garças tenham trazido certa paz a algumas pessoas. Certo bem-estar, por alguns
instantes, a algumas pessoas que andam com os passos sofridos nos dias atuais.
Ante a onda de violência, corrupção, carestia da vida e fome.
Vertical foto anuncia ave ou
asas no tempo vestido de branco, vejo as garças no voo suave, trazendo ondas
pela campina amada. Levam-me nos dias sem mancha. Natural que eu me junte à
vontade de muitas pessoas desejando que as garças fiquem no rio para sempre.
Nunca nos deixe com essa canção branca, nesse sonho da manhã que alveja graça.
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