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domingo, 2 de março de 2014

O Poeta Menelau

              Ainda não conhecia o fundador da Confraria dos Poetas de Burundanga. Exercia o mandato de presidente pela décima vez, sempre eleito por aclamação. Também com ele a regra era seguida à risca, só era poeta quem pertencesse ao ilustre quadro de membros efetivos da confraria.  Quem não tivesse o salvo-conduto, não imaginasse ser considerado como um verdadeiro poeta.
Era de estatura pequena, pescoço grosso, cabeça grande. Dentuço e nervoso. Tinha o sestro de sacudir a cabeça várias vezes quando estava dizendo um poema. Era amigo do prefeito, para quem  dedicava sempre dois ou três poemas no dia de seu aniversário. Assinava uma coluna no Diário da Burundanga na qual comentava livros de poesia, apenas os volumes dos confrades. Contente, ali era um espaço ideal para publicar seus comentários literários ou  poesia de dez a vinte estrofes. O que não deixava de ser uma boa oportunidade para disseminar sua glória, quase dizia vaidade, mas isso não calhava com seus brios de poeta talentoso, segundo ele.
 Gostava muito de fazer poemas longos, curtos só os de circunstância. Detestava o hai-cai, coisa insignificante, de poeta minimalista, sem inspiração, habilidade no estro, alienado, cultor de fórmulas orientais para  compor o verso. De outras gentes que nada tinham a ver com a magnífica poesia cultivada por ele e os poucos leitores, que eram os mesmos integrantes da confraria.   
Quando se dirigisse a ele, só admitia que fosse chamado  poetão Menelau. Vá lá, poetastro, nada de poeta ou poetinha, isso não condizia com a grandeza de seu estro, que tinha como marca supimpa as rimas mais instigantes. Por exemplo, coração com mamão, tesouro com besouro, presepada com batucada, cachoeira com besteira, facão  com anunciação, porrete com macete, camaradagem com garagem, alegria com pirataria, jereré com pontapé.
Estava abastecendo o carro com gasolina no posto. De súbito apareceu aquela cabeça grande na janela do motorista, os olhos rutilantes como se quisessem saltar do rosto ossudo.
Disse com entusiasmo:
-  Soube que você publicou um livro de poesia na França.
- Sim – eu disse.
Emendou sem pestanejar:
- Mas isso não é a glória. Não é trunfo para se achar  um verdadeiro poeta.
Meio assustado, disse que a glória não me preocupava. A imortalidade era uma fórmula usada pelos membros de uma academia.        
- Você precisa aparecer lá na confraria dos poetas da terra, retornou e insistiu na lembrança. - Precisa se filiar ao grupo. Se não tiver em nosso meio, nem se considere poeta.
E recitou o que ele chamava do mais recente poema de sua imbatível inspiração. Uma zorra com versos que rimavam coração com cheiro de manjericão, pele morena com embriaguez serena, e por aí seguia. Informou que os versos candentes desse poema ou o que fosse lá o que fosse tinha inspiração na sua bela Aurora, mulher,  companheira e eterna musa.
        -  Quer ouvir outro poema?
        Comecei a suar, apressando-me  em ligar o carro para  me livrar das investidas poéticas do Menelau.  Para sorte minha, ouvi o frentista dizer, no outro lado,  para que ele tirasse seu carro, que o tanque já estava cheio. Ele não deu ouvido. Começou a dizer outro poema, apesar de meu conselho para que fosse tirar o seu carro, o frentista já estava irritado de tanto pedir isso, tinha gente na fila querendo abastecer o veículo.  Foi o que me salvou. O poeta Menelau, o grande, antes que me esqueça, saiu chateado com aquela inconveniente interrupção à sua elevada dicção para soltar a verve,  que emergia, naquele instante, do encontro não marcado com um simples fazedor de versos.
         O poeta Menelau ainda lembrou antes de sair:
          - Apareça lá na confraria dos poetas.
          E arrematou com o peito cheio e cabeça nervosa:
          - Junte-se a nós e vá em frente como um verdadeiro poeta.       
  



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