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segunda-feira, 9 de maio de 2016





Dois Poemas

Florisvaldo Mattos


RASTRO DE BRISA
A mãe Gertrudes
Somente de horas alegres
São feitos os dias da infância.
(O que é duro e revés
Sai da coluna do Haver).
Há duas exceções, porém:
A fome, que é desespero,
E a morte, noturna hiena,
E também as mágoas vindas
Dos primeiros desencantos.
O resto fica escondido
Nas abas lá da jindiba
Entre os guardados da loba.
Sobram os grandes espaços,
Os horizontes abertos
Às primeiras cavalgadas.
Eram cavalos-de pau
Ou era a tropa de burros?
Facão no cinto e na mão,
A taca de mil estalos,
Nas dobras de alguma nuvem,
Ramiro tange escondido
Cuscuz e a Besta Melada.
E depois nos prega sustos
Saltando detrás das portas
Com a boca escancarada.
Do cume da Jacutinga
No trote da frialdade
Desce um rebanho de sonhos.
Ou são rebanhos de sombras?
Neblina fácil nas copas
Enreda-se com a folhagem.
Misturam-se aos bem-te-vis
Velhos cantares e aboios
Que os ventos levam e trazem.
“Que fazem meninos? Brinquem”,
Entoa a voz cautelosa
De quem quer filhos unidos.
Somente de alegres luzes
São feitos os dias da infância.

DE OLHO NA FOLHINHA

II
Na manhãzinha de um verão defunto,
repisando palavras, conselheira,
a mãe urdia na hora da partida,
igualmente a um martelo na bigorna.
“Vai, filho, estude, aprenda; escreva e leia.
A luz do livro guia o pensamento”.
Os dias disparando na folhinha,
subo no trem e vou para Água Preta.
Trilhos rangem. A máquina resfolga,
bafejando fumaça nos dormentes.
Como a vida, o trem passa e passará.
Chegar, parar, partir, é o seu destino,
sem que perdure vivo nos apitos
o pranto que ele deixa para trás.

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